No bloco da saudade já desfilei, cantando versinhos, balançando os braços e, olhando meu suor farto, declinei da festa. Pensei na humanidade.
Dos foliões de edredon, ao pândegos das ruas, o que nos resta para filosofar nesta festa tão sui generis, tão cheia de exotismo, contudo questionada? A alegria tênue, que permeia entre o descontrole da dança e o embarque dolorido em um mundo alcoólico faz com que pensemos na necessidade humana unica de curtir até o mais espremido espaço, dentre tantos, ocupados por pessoas, igualmente alegres, que exacerbam o limite do corpo, colocando sobre seus ombros adornos e fantasias abrasivos, pesados, duros, só pelo momento, pelo escarnio, deboche, sensualidade e mídia.
O Carma intenso das dores quase nos remetem a meditação plena, onde o transe, neste caso, advém das batidas intensas dos tambores e bumbos, que marcam os ritmos e fazem o sangue destes foliões ebulirem em ato continuo, até que suas forças se esvaziem num corpo fétido, caído, ébrio e escaldado do calor intenso desta parte do trópico. Que engraçado perceber o quanto queremos estar próximos uns dos outros neste momento.
A humanidade é tão fria. Olhamos ao nosso lado e interações não mais existem. Olhares são mal interpretados, abraços são vistos com grande reserva, especialmente se vindos do mesmo sexo. O toque humano nos falta, e se ocorrem, vem acompanhados de grande relutância. A solidão escalda a sociedade moderna, assim como o sol do meio dia escalda aqueles foliões suados em um bloco qualquer. E a alegria? É fabricada? Será que não agimos fora da curva porque já vivemos em reclusão atualmente? É como se tivéssemos que explodir a cada feriado, a cada lapso de tempo que passamos longe de nossas entediantes mesas de trabalho.
O carnaval não é tudo isso, não. E nunca foi. Hoje, então, nem se fala, pois dos costumes de outrora, da curtição tranquila e dos bailes infinitos dos clubes sociais só nos restam as migalhas. O feriado virou business, para os artistas celebrados e para os não tão celebrados assim. Um midiático show de mulheres testosterógenas, homens estranhos, patrocinadores de eventos e trios elétricos repletos de babaquices para quem deseja ser privado de seus sentidos. Para os meros mortais virou uma desculpa para bebedeiras, comilanças, liberação de agressividade, demonstração de desrespeito e muita, mas muita desilusão. Sim, desilusão! O carnaval é o opiáceo do folião e o cativa pela promessa de um período de intensas experiências, mas o destrói como resultado delas. O resultado são picos de alegria e fossas abissais de depressão, numa montanha russa de experiencias profundas que somente atiçam o que há de pior na humanidade de hoje: o imediatismo das sensações.
Eu olho para o carnaval com olhos de saudade, porém críticos. É uma visão de sintomas graves, como a ver um drogado dizer que está bem, que está sóbrio. Uma miríade de coisas passam pela mente, ao ver o carnaval pelo Brasil, na tela da tevê, como diz o bordão. Muitas delas, são de pura indiferença, de desapego por um período festivo que tanto foi uma expressão das camadas mais esquecidas da sociedade, e que hoje é um showcase para ricos e milionários exporem seus abdomens negativos, ou seus fantasiosos dedos ao ar, a marcar os ritmos rompantes. Era uma festa do povo, hoje é um espelho da decadência humana, e do elitismo prosaico, ordinário, marcado por gente que jamais viveu o carnaval em sua essência, somente suga, sorve a mesma.
...é que o folião nunca tem razão, ele apenas aproveita a ocasião...
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