quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O Peculiar Brasil Brasileiro.

Há muito tempo quero retratar o país em que vivo, suas nuances e defeitos, sem ufanismo ou a paixão que muitos escritores, como Gilberto Freyre, ousaram escrever. Sem mais delongas vamos a um mito constante, que muitos propagam por pura ignorância ou inocência, dizendo que o Brasil é esta nação atrasada por ter sido colonizada por portugueses e não por ingleses, como no caso dos E.U.A. Acreditar nisso é um erro, visto que muitas ex-colônias inglesas na África e Ásia sofrem do mesmo mal que o Brasil, ao estarem ainda categorizadas com nações em desenvolvimento. Promover que os portugueses em geral são agentes de atraso econômico é ignorar que, por exemplo, Portugal foi precursor em tecnologias básicas que perduram até os dias de hoje, e seu legado de pioneiros na expansão econômica mundial jamais será esquecido.

Há de se pontuar que ao Brasil vieram membros da corte portuguesa indesejados em sua origem, que vinham para cá como uma punição pelos seus serviços débeis à coroa. Entretanto, muita coisa ajudou o Brasil a se atrasar perante outras nações do norte, e dentre elas podemos listar a longevidade da escravidão como ponto pacífico. Durante os séculos XVII e XVIII, a revolução industrial enterrou de vez a escravidão ao implementar o trabalho pago como meio de engendrar o progresso ecônomico. A produção de manufaturas, mais caras que bens agrícolas, geravam mais lucros aos países produtores das mesmas, que no fim, geraram progresso. A manuntenção no Brasil, das fazendas e latifúndios, e a escolha do país por um cenário produtivo estritamente agrícola, condenaram, de certa forma, nossa nação a um futuro de periferia, e não de centro.

A escravocracia brasileira também gerou uma elite preguiçosa, indolente, que não se norteava no trabalho como meio de acumular riquezas e gerar riquezas para outros, um dos pilares do sucesso das nações desenvolvidas. Ora, do que adianta um indivíduo acumular riqueza se o mesmo não a divide com seus subalternos? Quem, enfim, irá comprar seus produtos senão os membros das classes mais baixas? Sem salários, estes mais pobres jamais poderão disseminar na economia seus ganhos, e terão, como calcanhar de aquiles, gerações após gerações de pobres sem poder de consumo, fazendo parte de uma massa falida que jamais trará progresso ao país, e sim, viverá de ajuda do Estado, um atraso que gera outro. A elite indolente, por outro lado, gerará no futuro, uma nação de ricos inúteis, com baixa capacidade de investimentos, também um atraso para a nação como um todo. Culpar o catolicismo pela imoralidade da elite não seria de todo errado, visto que a mesma protegia a escravocracia, e endossava este regime atrasado nas nações sob seus domínos.

Depois da abolição esta massa falida de negros e pobres foram jogadas na sociedade sem qualquer possibilidade de crescimento a qualquer prazo, o que cria, indubitavelmente, um protótipo de ser-humano que resistirá a algumas centenas de anos no cenário antropológico brasileiro. O negróide, que sofre misturas e mais misturas pela sanha sexual do branco europeu pelas ancas largas e grandes seios das negras da África setentrional que pra cá foram forçosamente trazidas. O índio, que houvera sido escravizado com insucesso anteriormente, também entra nesse caldo, por culpa também da perversão do homem europeu, mas em menor escala. Esta mistureba, a priori, gera um povo sem personalidade, sem noção de suas raízes, ou melhor, sem identidade. Por outro lado, isso afasta, em tese, os distúrbios raciais que tanto incomodaram países como os E.U.A.

Com a chegada dos imigrantes, advindos de várias partes do mundo, os membros da elite latifundiária brasileira tinham a vã esperança que uma nova safra de escravos estava por vir. Sim, a elite sentia falta da escravidão. Na cabeça deles era um lucro muito fácil, ter nos trabalhos de campo pessoas que trabalhavam em troca de moradia e comida. Mas não era tão simples assim, pois os imigrantes chegavam, em sua maioria da Europa, com maior conhecimento do trabalho assalariado, inspirados por teorias marxistas e weberianas. Ficava difícil escravizar um povo esclarecido, produto de um revolução industrial bem-sucedida na Europa. A imigração foi responsável pela profissionalização das relações de trabalho nos campos e nas cidades, já que neste período, a incipiente indústria brasileira começava a querer se desenvolver, apesar do domínio da cultura cafeeira. Ainda no século XIX, o Barão de Mauá havia, sem sucesso, tentado industrializar o Brasil ainda império, liderado por D. pedro II. Naquela ocasião, a pura idéia dos princípios ingleses de produção e trabalho assalariado assombrava a corte portuguesa, ainda presa à noção que trabalho era coisa de escravo. Mauá não obteve êxito algum.

A imigração trouxe muitos benefícios ao Brasil, permitindo a chegada de empreendedores, como os da família Matarazzo, de São Paulo, provenientes da Itália, que criaram um dos maiores conglomerados industriais do país naquele tempo. O Brasil imperial era retrógado, e a república era a esperança que as aspirações do Brasil poderiam ser maiores. Mas o que se viu foi a manutenção do latifúndio como alicerce da produção nacional, com suas variáveis conhecidas afetadas pelo clima, mão-de-obra e solo. Já estávamos no século XX e o país ainda tinha uma industria fraca, e governos que andavam de mãos dadas com os grandes fazendeiros da época, num jogo de interesses perverso, que atrasava a inclusão do Brasil na nova ordem mundial, a qual os americanos já gozavam há muito tempo, que era a invenção de tecnologias e patentes das mesmas.

As grandes invenções do mundo moderno surgiram nos E.U.A, Japão e Alemanha, e não por coincidência, estes países dominaram o cenário econômico mundial no século XX, cada um a seu tempo, apesar dos conflitos entre eles. Tais invenções geram lucros estupendos, suas patentes garantem royalties, e a riqueza dos países que as têm só tendeu a se multiplicar. Não havia de se esperar isso do Brasil, afinal de contas, estávamos nos preocupando em debulhar café, e torcer para o mercado de commodities externo não variar. Tolice a nossa achar que uma saca de café poderia competir, em termos de geração de riquezas, com a lâmpada, ou com o telefone. A indústria brasileira só se estabelece, enfim, na metade do século XX, quando num momento oportuno, após uma década do fim da II Guerra Mundial, Juscelino Kubitschek cria uma política industrial para o país. Durante a guerra, o Brasil se destacou ao fornecer borracha para os aliados, junto com café e minérios. Nem mesmo o aço, que na época deveria ser mais caro que ouro, ousamos oferecer aos deseperados aliados. Perdemos o trem do progresso de novo.

Com as crises da metade final do século XX, a escassez de tecnologias próprias, o enfraquecimento da industrialização e a manutenção de um regime militar retrógado, perdemos este emblemático século, e ficamos para trás. Não se pode entender o Brasil como país sem antes demonstrar os erros cometidos no passado, e a maneira como eles influem em nosso país atualmente. No cenário atual brasileiro, muito pode ser deduzido. Virou um país pluriracial, algo admirado por filosofóides, que ignoram a visão que os descendentes dos negros e indígenas, que cá viviam há centenas de anos atrás representa hoje a camada mais pobre da sociedade. Esquecem-se que os pardos, cafuzos, mulatos etc. são preteridos socialmente, e enriquecem o ciclo da pobreza no país, que condena gerações inteiras a viver numa situação de pobreza ad eternum. As periferias estão repletas de pessoas de cor mais escura, porque séculos atrás, seus descendentes foram jogados na rua sem a menor condição de sobrevivência, visto que os mesmos eram dependentes de seus senhores. Essas pessoas não foram educadas, foram ignoradas por governos após governos. Já os descendentes dos imigrantes, que representam uma camada menor da sociedade, puderam se educar e cresceram. É flagrante perceber que pessoas descendentes da "cesta" de imigrantes vindos para o Brasil gozam de sucesso maior em suas vidas, e vivem com mais dignidade.

No século XXI o Brasil tem ainda seus rastros daquele regime podre dos séculos passados, especialmente no Nordeste, onde as famílias descendentes dos grandes latinfundiários daquela região ainda gozam de poderes sobre o povo pobre e deseducado da região. No Sudeste, o insucesso das pessoas de mais baixa classe gerou revolta. É uma revolta diferente, nada comparada às revoluções de outrora. É a revolta da violência, especialmente cometida contra o próximo, mas que não tem nuances de racismo e sim de classismo. A falta de oportunidades ao pobre é a ferramenta que engendra a coragem para matar e morrer para demonstrar sua revolta pela situação em que vive. O país ainda vive do bem agrícola, da soja, da carne, do café. Apesar de ter uma indústria, a mesma padece de uma carga tributária perversa, fruto da incapacidade passada do Estado em prover o que há de mais básico ao seu cidadão. Com altos tributos, a indústria não investe, não produz, não emprega e não gera riqueza. A riqueza do campo ainda não consegue superar a riqueza da indústria, assim como há 300 anos atrás, e logo, o país não progride perante seus concorrentes. O Brasil é uma ilusão, seu povo é iludido, festeja quando deve temer. Temer por um futuro sombrio. Uma maioria esmagadora de pessoas que não vivem dignamente, não têm acesso a saúde digna, educação digna. É uma país de ignorantes, pessoas que têm seus sonhos destruídos pelo ensino público, lastreados por professores infelizes e mal-pagos. Pessoas que não sabem lidar com o crédito e são escravizadas pelo sistema bancário. Pessoas que não poupam ou investem porque não têm reserva de uma renda já pequena demais. É um país que esmaga empreendedores, ao não fornecer crédito e usurpá-los com milhares de tributos e taxas. Este é o retrato da maioria.

Quem fica com aquela sensação de dúvida sobre o por quê de nosso país não ter se tornado os E.U.A do hemisfério sul, ou do por quê de não termos justiça social, ou até mesmo por que o brasileiro é tão corrupto e o Estado é tão ineficiente não pode, jamais, culpar os coitados portugueses, e seu estilo de vida. Deve sim, olhar-se ao espelho e perceber, independentemente de sua origem, aonde você, cidadão, mais falha perante sua sociedade. Verá, portanto, que você é a doença de sua nação. Você com seu jeito malemolente do jeitinho, da trairagem, do egoísmo sem fronteiras. Este é o brasileiro, você é um brasileiro. Este país é a sua cara.