quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Minha Nota Do Subsolo

Dostoievski descrevia o subsolo como um estado da alma onde nossos pensamentos mais sombrios se revelam. Seres introvertidos e observadores vivem no seu subsolo até que alguém os resgatem para a vida entre os comuns. Muitos não saem de lá nunca. O subsolo me atrai, lá recupero a segurança em muitos aspectos da vida, observo meus semelhantes e constituo uma forma de ver a vida muito mais abrangente do que somente as aparencias querem me dizer.

Estado da alma, não? É verdade. Por vezes o subsolo me atinge como se houvesse sido abduzido, puxado como que forçosamente para os cantos mais abissais da minha consciencia. O que fazemos lá? Expulsamos as superficialidades, absorvemos o auto conhecimento, olhamos o outro e pensamos se o mesmo nos salvará deste poço. Não, ninguém aqui está deprimido no subsolo, ninguém vai morrer por estar lá. É mais que um simples desprazer psicológico. É um momento onde as palavras simplesmente são substituidas por pensamentos, fala-se menos e reflete-se mais. O subsolo é algo notavelmente confortável e nos permite grandes conclusões.

Aqui do subsolo vos escrevo, estou chafurdando nas minhas próprias idéias fixas sobre a sociedade, e delas espero abstrair o máximo de entendimento sobre a mesma, reconhecendo também o meu papel neste interim. Vejam só aquele cidadão, num carro estilo offroad, ou aventureiro, como queiram. Eu acredito que o carro, com o passar dos anos, virou um meio de expressar quem somos, e este cidadão quer expressar algo...o que o subsolo me ajuda a concluir? Ele mora numa cidade asfaltada, sem estradas de terra. O carro está limpo e sem traços de lama. O máximo que viu de sujeira foi a poeira do ar. Ele está vestido socialmente, talvez seja bancário e sua pele é branca como cera, denotando passar grandes períodos sem tomar sol, ou fazer as ditas aventuras propostas pelo veículo, que o permitiriam ter um bronzeado muito melhor. Pelo adesivo na traseira, ele tem apenas um filho e uma esposa, não necessitando do vasto espaço do automovel. Aliás, por que o adesivo na traseira? O que mais ele quer passar ao mundo exterior? Que é um homem de família? Que é melhor do que eu por isso? Ou talvez seja só um exibicionista, assim como uma larga parte da sociedade de hoje, assolada por informações excessivas em redes sociais? Deve ser de tudo um pouco, mas voltemos ao propósito do carro, para quê este cidadão precisa de um veiculo offroad? O subsolo me diz que este homem quer mesmo é mostrar algo, por meio do bem de consumo, que ele não é. Provavelmente, o individuo que realmente precise deste meio de transporte não tenha a capacidade financeira para te-lo, talvez por passar muito tempo em suas aventuras, ou trabalhos braçais. Logo, o nosso amigo "bancário" quer praticar o bom e velho escapismo: - Se não sou, ao menos vou expor à sociedade que pareço ser. Sempre sonhei em ser durão, hardcore, radical, mas no fim, não passo de um pai de família com mania de grandeza. Faz sentido.

O subsolo é assim mesmo, nos dá a verdade por meio da ironia. Esclarece escarniando. No entanto me sinto feliz por estar aqui, muito embora seja algo muito solitário. Outra coisa me vem a mente, e penso: - E aquela moça sufocantemente bela que acaba de adentrar meu campo de visão? Cabelos alisados à perfeição, óculos escuros importados que cobrem quase a totalidade de seu rosto, mas não escondem um belo nariz, fabricado pelo mais conceituado cirurgião. Pele alva, mas coberta por uma maquiagem bem feita, até um tanto forte. Cheiro marcante, amadeirado, com notas de pinho. Corpo esguio, alto, ornado por belas roupas, talvez de alta costura, pernas de fora proporcionalissimas, clarinhas. Mãos e pés bem cuidados, um traço marcante de ter evitado trabalho manual e pesado durante sua curta vida. O que ela quer transmitir com isso? Obviamente o subsolo é imprescindivel na qualificação daqueles que não pertencem a ele. É obvio, também, que esta moça jamais vai observar as coisas daqui, pois ela é notavelmente um ser da superficie. É superficial, não? Ao menos parece ser. Algo me diz que ela tem posses, ou ao menos quer parecer ter. Se for a segunda opção deve estar endividada até o pescoço. Entretanto, se for mesmo rica, deve ser bastante dificil e hostil. Olhem o esforço que ela faz para não olhar os seres ao seu redor. Parece uma contradição, mas ela não quer olhar os outros, mas quer que os outros a olhem. Se não fosse desta forma, porque se vestiria tão bem, e cuidaria tão bem de sua aparencia? Sim, ela deve ser dificil, no minimo arrogante. Deve estar num estágio de consciencia em que se não for notada, cairá em frangalhos. Precisa disso, se alimenta disso! Não parece nada sexual, mas no fim, é somente por isso que pode se fazer ser notada. Às mulheres, no entanto, ela que causar inveja, quer diminui-las. Definitivamente ela é um belo exemplar, mas não se enganem. Por dentro existe um ser humano, sim, existe uma criatura insegura, louca pra se destacar de alguma forma. O exibicionismo exagerado a impulsiona e os olhares de quem quer que seja são seu combustivel. Deve ser fragil, facil de desmontar, como um castelo de cartas. Deve ser sensual, mas não sexual. Trava-se facil para o sexo, por criar uma barreira imaginaria à frente dela, expondo tanta imagem para tão pouco conteudo. Eu imagino a dificuldade que deve ser viver dentro dela, esperando o reconhecimento a cada olhar, em cada esquina. Que ser humano superficial! Por isso gosto do subsolo.

Aqui as estórias fluem como rios venenosos a verter para o imaginário sem fim, pois no subsolo somos livres pra pensar da forma que desejarmos. Não interessa quem o ou quê, sempre há espaço para, inclusive, ir mais além. A zona de conforto que o subsolo provê só não é tão boa quando o mesmo se vira contra você. Daqui de dentro passei a me conhecer melhor e a tirar conclusões que jamais tiraria estando na superficie, vivendo com os outros "seres de atitude". Aqui abaixamos a bola, popularmente falando, nos policiamos e vemos que somos falíveis, detestaveis e deploraveis em alguns aspectos. Olhe só aquele exemplar, belos filhos, boa vida, mas com grave problema: ele não se gosta. Sim, já ouviram falar daquele homem/mulher que pode ter tudo na vida, mas não tem aquilo que ele mais deseja: um retrato perfeito de si próprio? É aí que o subsolo fica perigoso, exatamente quando criticamos os superficiais e pensamos quanto a nós mesmo. Ora, eu mesmo disse que o subsolo nos serve de observatório, para que possamos nos tornar melhores, sem jamais ir para superficie sem razão. É isto mesmo, mas a autocritica é o limite disso. Pois bem, segue a vida daquele homem, preso no subsolo, mas incauto à realidade. Ele não tem autorespeito e se odeia mais a cada dia que passa. Ele cobra muito de si, exige muito pouco dos outros, e se ve preso numa miseria sem fim. Ele tem todos os instrumentos para deslanchar numa perfeição de vida, mas se atrasa em seus pensamentos mais indignos. Muitos pensam dele ser um canalha, um arrogante, um párea. Mas ele é um homem com tanto a dividir com o mundo, alguém que as pessoas podem confiar, um cara de principios. Infelizmente ele não consegue, ou não pode demonstrar isso ao mundo, e o mesmo se esconde no subsolo, onde o isolamento da consciencia o consola. Aqui, no subsolo, jaz um sem rumo, um homem com alma subterranea, habitando um porão sombrio, mas com ganas de flertar com a superficialidade. Neste subsolo em particular tem um maldito espelho, e por ele acabo por ficar preso, aqui, distante. É, o subsolo é perigoso demais quando passamos a esmiuçar nossa própria e profana personalidade. Voltemos aos outros.