quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Um Dia Quente, Um Homem Tosco.

Do escaldante sol do meio-dia procurava abrigo dentre as árvores obscuras de uma cidade bucólica. Sentia o ardor do raio mais escaldante, sentindo bolhas rançosas de suor escorrendo pela minha testa, rosto e pescoço. A respiração agonizante dos pulmões inalando o mais pútrido ar advindo das massas de ar quente dos trópicos, engrossando o sangue e a agonizar o mais atentos dos seres, com devaneios confusos sobre um maldito dia de verão.

As migalhas pedidas por uma pobre vitima de insolação, em forma de brisas esparsas eram a tonica daquele fastidioso dia, como a mendigar um frescor vindo das montanhas, que não estavam lá. Com passos erráticos, eu me dirigia a algum lugar que não sabia. Esta é a melhor forma de se chegar onde nunca estive, mas havia alguns obstáculos. Ao longe, vejo uma mãe a ninar sua cria, já enfastiada pela onda calorifica a lhes castigar o couro. Aquela criatura pequena não chora, ela guincha, como a pedir um quinhão de frescura e sua mãe se desdobra em atos inconscientes de proteção vã. É como ver uma leoa abrigando seus pequenos leõezinhos na savana sem fim, como a querer disfarçar o território hostil sob o qual vivem.

A distância cada vez maior daquele desespero infantil me alivia, e ao sol peço trégua. Admiro e odeio sua importância mordaz à raça humana, e às civilizações que tanto o exaltava como divindade. Ele nos alimenta, nos aquece, nos protege...mas nunca desejei tanto sua morte, Deus sol. As árvores, de repente, começam a pitorescamente dançar a um rastro de vento vindo do oceano. Seria um preludio de uma tempestade? A idéia de sorver líquidos pluviais me seria um alento para uma agonia gritante. A chuva torrencial num dia tórrido...que maravilhoso jogo de palavras não? Sim, como diria Travis Bickle, um dia virá uma chuva tão forte que lavará estas ruas fétidas, repletas de traficantes, cafetões, prostitutas e ladrões. Um dia...

Mas não era a tempestade que se anunciava. Era só mais uma lufada de ar quente a me esturricar e empoeirar a pele. Lembrei-me da Legião Francesa, em suas incursões pela África Setentrional, desbravando o Saara, expandido o poder franco colonialista. Seria somente a diarréia, ou a tifo? Ou foram eles não só açoitados pelo tuaregues, mas também pelo calor e sua lenta consumação do corpo humano? Lembrei-me também de Rommel, e suas leais tropas na mesma região, durante a segunda grande guerra. Que destino, o destes homens. Mas eu não atravessava um deserto. Tampouco estava sedento, nem numa batalha. O que me açoitava eram os pensamentos, os fantasma de outros dias. Dias estes mais frios, mais quentes...pouco importava. Eram dias piores, eram dias melhores.

A guerra, em si, era pessoal, contra meu pútrido sangue a perder a batalha contra o sol, contra meus mais promíscuos pensamentos e contra meu passado latente. Eu só culpava o sol, assim como culpo a tudo e a todos, pela injustiça do mundo, pelas mazelas da sociedade, pela violência descabida, pela falta de amor, companheirismo e honestidade que nos assola. A guerra é contra uma sociedade que não nos quer vivos, não nos respeita e não vigora. Quem culpará o sol, o calor ou a chuva. A culpa é nossa! Nós e nossos pequenos problemas, que relativizamos e achamos muito importantes, como se significássemos algo para este imenso universo. Ledo engano. O sol tem mais importância que toda a pequena e reclamona forma de vida deste planeta. Ah, mas que calor desgraçado! Sigo adiante, reclamando...