terça-feira, 24 de novembro de 2009

Goza Isabel!

Qualquer semelhança ou coincidência com esta humilde crônica é digna de vergonha. É tudo ficção, leitores. Ou não?



Isabel era uma mulher, uma fêmeazinha, uma doce criatura habitante da cidade do interior de qualquer estado deste país. Criada sob padrões rígidos, por um homem indigno e por uma mulher sem qualidades, sua mãe. Sua infância foi cercada por desejos insaciados, educação estudantil torpe e deficiência afetiva. Sua mãe, Paulina, era uma senhora muito religiosa, filha de imigrantes espanhóis, mas com uma pobreza espiritual sem igual. Esta mulher era sofrida, havia sofrido abusos psicológicos e sexuais, havia, portanto, se tornado uma criatura vazia, sem expressão. Seu pai, Francisco, era um jogador e bêbado inveterado. Tinha origens bem brasileiras, era um mestiço. Havia sido criado em orfanato, e seu rosto, marcado pelas mazelas do álcool e pela lida diária na Companhia Açucareira, por sóis e mais sóis a pino, havia lhe deixado sem auto-estima que fosse. Sua alegria era jogar. Não interessava o jogo: Bicho, dados, sinuca...tudo era um motivo para apostar. Quando perdia, bebia. Quando bebia, agredia.

Neste ambiente, Isabel dividia um quarto na humilde casa com três irmãs, todas mais velhas. Isabel era a caçula. Havia um rumor na cidade que as irmãs de Isabel se prostituiam na cidade vizinha, ao menos elas viviam como rainhas. Era fascinante vê-las sempre com roupas diferentes, Lingeries insinuantes e perfumes exóticos. Para Isabel, que não detinha qualquer maldade, a prostituição era a redenção de uma mulher, pois as tornavam menos igual a sua mãe. Francisco já havia perdido qualquer esperança de casar estas três jovens "cortesãs", e simplesmente ignorava o que as mesmas faziam em outra cidade. Sua saúde já não o permitia ter a mesma autoridade de outrora. Para Paulina, não fazia a menor diferença, contanto que suas amadas filhas voltassem para casa. Nesta época, Isabel era só uma pré-adolescente. Seus seios ainda não houveram se desenvolvido, seus quadris eram estreitos, e suas bonecas ainda lhe faziam companhia. Francisco dentinha o sonho latente de casar Isabel, como manda o figurino, e a preparou para isso. Queria salvar esta filha, tirá-la de uma vida de perversões e doenças venéreas, torná-la mais um cordeiro no rebanho de Deus, uma mulher que a sociedade pudesse se espelhar.

Numa quarta-feira bem cedo, Isabel acordou de um sonho delicioso que houvera tido com um rapaz um pouco mais velho, de sua escola. Jaime era estudante da oitava série, e sua impetuosidade deixava Isabel atiçada. Seu sonho havia sido passional, e Jaime a beijava como faziam os artistas da televisão, mas num determinado momento, Jaime desceu suas mãos para sua delicadas coxas e, ainda sonhando, Isabel sentiu aquele calor entre as pernas. Ela acordou. Suas irmãs ainda dormiam, enquanto Isabel ainda detinha a sensação de ter sido tocada pela primeira vez por um homem. Ela se levantou, e foi até um espelho, de frente à sua cama, onde suas belas irmãs se penteavam e se perfumavam. Mexeu nos cabelos, fez pose, caras, bocas, passou um pouco de perfume. Usou um pouco do batom da irmã. Estava linda! Pensou que seria assim que poderia fazer Jaime prestar atenção em sua figura ainda pueril. Suas irmãs eram mulheres curvilíneas, na flor da idade, tinham seios e quadris volumosos. Francisco levantou para trabalhar, e como sempre foi pedindo seu gole de café matinal a Paulina, ordenando que se levantasse logo. Isabel, assustada, limpou o batom com pressa, e saiu correndo para ajudar a mãe a preparar o café. Paulina rezava sempre que acordava, isso deixava Francisco louco de raiva pela demora na sua pequena dose de cafeína pré-labuta.

Naquele dia, na escola, Isabel não parava de prestar atenção em Jaime e suas atitudes. Seus ombros eram largos, seus olhos marcantes e escuros, era um líder nato, todos o ouviam. Havia um rumor que Jaime não ligava para a bronca dos professores, os enfrentava! E isso causava suspiros em Isabel. Ao fim da escola, sempre que chegava em casa, Isabel passava a roupa das irmãs, em troca de alguns afagos que não obtinha da mãe e algumas moedas que sempre lhe valiam uma pamonha bem gostosa, ou pacote de balas. Ao observar as irmãs se arrumando para as suas noitadas diárias, percebeu que as mesmas planejavam enlouquecer os homens naquela noite. Quilos de maquiagem, litros de perfume, calcinhas pequenas, e vestidos sem sutiã. Isabel percebia aquilo como uma aula de sedução a qual iria aplicar um dia para conquistar Jaime. Não foi suficiente observar, Isabel queria segui-las, queria ver como falavam, o que faziam, o que tanto ofereciam que deixavam os homens loucos.

A noite estava quente e calma, e Isabel partiu em sua jornada pelo aprendizado. Adentrou o único ônibus que levava aos limites da cidade, sem que as irmãs percebessem, sentou bem atrás, sob os olhares de mulheres que não entendiam o que uma moça tão nova iria fazer naquela cidade proibida. Ao chegar, as meninas desceram, e Isabel foi logo atrás. Era uma caminhada longa até o American Bar & Drink´s onde as irmãs de Isabel "trabalhavam", e lá chegaram depois de meia-hora andando. Isabel estava cansada, mas era tarde demais para voltar. O American era um zonão como os de qualquer cidade de interior, luz roxa na parte interna, uma Jukebox tocando bem alta, e um bar constituído de um balcão, um copeiro, e estantes de bebidas. O copeiro era um caboclo bem miúdo mesmo, daqueles que sobem no banquinho até pra mijar, e achou estranho uma movimentação na janela próxima a porta do local. Entre homens que saíam e entravam, viu uma cabeça com dois olhinhos espiando pelo lado inferior da janela. Ele não perdeu tempo, e foi ver o que era. Pensou ser algum menino sem-vergonha se manipulando observando as moças dançando na pista, e tratou de correr para espantá-los. Isabel se assustou, mas se manteve parada até que ele chegou. Espantado, o copeiro não entendeu nada e perguntou o que a menina fazia alí. Chegou a cogitar se era filha de alguém no local. Isabel nada disse. Engoliu seco, deu uns passos para trás e caiu por causa de um caixote que estava atrás de sí. O copeiro ajudou-a, e pediu que ficasse calma. Alí não era lugar para crianças, ele disse, vá embora! Isabel obedeceu, mas não pôde deixar de perceber que suas irmãs estavam alí, dançando com homens escrotos, peludos, bêbados e maltrapilhos. Eram esses os homens que minhas irmãs planejavam enlouquecer? Pensou Isabel. Ao voltar para casa, percebeu o erro que cometera.

Já era muito tarde e Francisco chorava de desespero pela sua amada filha. Aonde estará Isabel? Disse ele. Paulina concentrava-se em seus afazeres, e não dizia nada. Francisco pensou ter sido uma vingança de um homem muito ruim, Galo-Cego, apelido conquistado pelo seu ferimento no olho direito causado por um bandido na época que era policial carabineiro. Sua aposentadoria forçada o fez se tornar um contraventor, um agente do jogo ilegal. Ele coletava apostas e cobrava, com crueldade de vez em quando, e não poupava esforços para receber. Francisco devia a Galo-Cego algum dinheiro, e seu desepero era uma retaliação do mesmo à sua família pela dívida. Francisco remexeu na gaveta da cozinha e alcançou um punhal, disse então a Paulina que iria rodear a cidade em busca de Galo-Cego e encontrar sua filha. Paulina demonstrou um pouco de medo, mas não impediu seu marido de fazer o que queria. Era da sua natureza ser passiva. Quando estava por sair, Francisco dá de cara com Isabel. Sua raiva foi maior que a preocupação que houvera sentido, e tratou de surrá-la, sem perguntar o por quê de seu repentino desaparecimento. Aquela surra jamais abandonaria a cabeça de Isabel, e suas marcas a perseguirão para o resto da vida.

Isabel se tornou uma mulher linda. Seu corpo tomou formas deliciosamente femininas, e seu rosto era digno de uma boneca. Francisco havia falecido de cirrose há um tempo, e seu legado houvera sido as dívidas de jogo, ainda cobradas por muitos, inclusive por Galo-Cego. Parte das mesmas foram pagas por favores sexuais pelas irmãs de Isabel aos credores, mas só isso não era o suficiente. Paulina agora costurava pra fora como meio de sustento, e suas filhas, antes egoístas, agora contribuíam com a casa, ajudando a todos. Isabel não ficava de fora, e também arranjou um emprego. Já havia tomado nojo da prostituição há muito, e trabalhava numa mercearia da cidade como caixa. O salário não era grandes coisas, mas ajudava muito. Seu patrão também pagava com mantimentos e tecidos, algo muito pertinente para aquela família de mulheres naquele momento. Galo-Cego não se continha, e volta e meia tomava algum dinheiro de Paulina, dizendo estar abatendo parte das dívidas de Francisco, mas aquilo parecia não ter fim. Numa tarde de domingo, estavam todos em casa quando Galo chegou à porta dizendo querer mais alguns tostões devidos. Paulina como sempre disse que estava dura, não estava trabalhando muito, e já havia lhe pago muito dinheiro. Galo não prestou atenção. Estava com seu único olho bom a mirar em Isabela. Pensou ser uma amiga de alguém no recinto, e foi logo adentrando e se apresentando. Mal sabia ele que era a pequena caçula de Francisco, que havia se tornado uma mulher linda. Quando Isabel disse ser quem era, Galo espantou-se. Mal podia acreditar que aquela menina maltrapilha era Isabel, e tratou de se desculpar. Parecia ter visto um fantasma, e saiu dalí como um raio.

Num dia frio qualquer , Galo vai até o trabalho de Isabel e finge querer comprar umas coisas. Leva um maço de cigarros, um garrafa de cachaça e uns pães. Isabel recebe o dinheiro, mas uma mão segura a sua. Galo lhe aperta a delicada mão com carinho e diz que precisa lhe falar. Isabel já diz logo que não tinha dinheiro, há dias não recebia um tostão de seu patrão, mas Galo queria outra coisa. Disse que queria namorá-la, que perdoaria todas as dívidas de seu falecido pai se pudesse tê-la, namorá-la. Isabel ficou chocada, sua pele do rosto ficou rubra, negou veementemente a proposta e pediu que Galo fosse embora. Ele foi. Naquela noite, Isabel comentou com sua família o ocorrido. Todas ficaram ofendidas! Como que um aleijo daqueles, um calhorda, teria a coragem de flertar com nossa pequena Isabel, disse uma das irmãs. Paulina parecia não ter se chocado tanto. Disse que era algo a se pensar, e como mãe teria o direito de entregar a mão da sua filha a um homem que fosse sustentá-la. Isabel ainda lembrava de Jaime, o homem que sempre sonhou, mas ele já houvera ido para a capital há muito tempo. Tinha se tornado Deputado Estadual, um dos mais jovens do Estado, fruto de sua impetuosidade nata. Apesar dos pesares, Isabel não discordou da mãe, mas sua infelicidade com tudo aquilo já era visível.

Depois de muito ponderarem a família e Isabel decidiram dar uma chance a Galo, e o mesmo começou a fazer suas visitas, sempre trazendo um agrado de qualquer espécie a Isabel e à família. Levava Isabel ao cinema, para tomar sorvete, andar à cavalo, para fazer longas caminhadas ao luar. Galo já era bem velho, tinha uns 45 anos ou mais, e fisicamente se assemelhava mais a um refugo de guerra do que um homem. Não demorou muito, os dois se casaram e constituíram família. Isabel teve um casal de filhos. Galo recebia uma ótima aposentadoria da polícia, e há tempos havia deixado a vida de jogador e agiota. Ainda assim, havia dignidade naquele casamento, um certo desconforto pela diferença de idade, mas uma alegria pelos filhos saudáveis e pela vida mais confortável. Isabel cuidava da casa e dos filhos, seu corpo havia se mantido perfeito, mesmo após dois filhos, porém Galo não era homem de poder, fisicamente, manter ereções que pudessem fazer jus àquela mulher. Isabel nunca havia gozado. Nem pensava o que seria aquilo. Havia casado virgem, e achava que sua vagina era mais ou menos um orgão reprodutor, e não um instrumento de prazer.

Com o passar dos anos, Galo se adoentou, seu nome real era Marcos. Isabel se manteve a mesma por anos a fio em que Galo definhava pelos cantos e cama. Sua morte demorava a chegar. Os meninos já estavam bem criados, e estudavam numa escola católica na capital. Só vinham aos fins de semana visitar os pais. Numa noite em que Isabel desabou de cansaço, após idas e vindas ao hospital e farmacia com Galo, seu sonho de menina bateu em seu inconsciente numa mistura de amor e tesão. Ela sonhava que estava nos braços de Jaime, e que seu toque havia se tornado mais sexual. O cérebro mais maduro de Isabel já permitia deixar, inconscientemente, que Jaime fosse mais audacioso em suas ações. Ele tocava as partes internas de suas coxas, apertava suas ancas, e beijava seus seios com sofreguidão. Isabel acordou. Era Galo, gemendo com seus rins latejando de insuficiência. Ela amava, de certo modo, aquele homem e não queria que morresse. Algo dentro si, entretanto, pedia para que aquele sofrimento terminasse. Galo já era um sexagenário, e suas expectativas já haviam terminado há muito tempo. Aquele sonho tinha, mais uma vez, atordoado Isabel e ela demorou a reagir. Galo deu uma última estribuchada e gemido, e seu calou. Isabel somente observou. Em sua mente não havia mais motivo para cuidados, era um sinal que aquele homem tinha morrido, assim como seu pai. No velório, Isabel chorou, e se culpou por não ter feito nada que pudesse dar pelo menos mais algumas horas de vida àquele homem convalescente. Lembrou-se daquela surra que levou do pai, e pediu que o mesmo estivesse vivo para que pudesse surrá-la de novo. Não se entendia como uma mulher boa, digna de um bom marido e filhos. Queria ter ido junto com Galo.

Isabel ficou só, seus filhos continuaram na capital, sua mãe falecera logo após seu marido Galo, e suas irmãs, que sempre foram solteiras, já não eram mais putas. A vida havia mudado muito, e Isabel pediu que as irmãs morassem com ela. Venderam a casa do pai, e assim o fizeram. Eram uma família, de novo. Aos quase 35 anos, Isabel ainda não sabia o que era sexo pleno, não havia experimentado nada de prazeiroso na vida e isso a deprimia, por alguma razão. Ao passar pelo espelho que foi de sua mãe, barroco, dourado que ficava em seu quarto, ao sair do banho, notou seu corpo. Lembrou de quando era uma menina e se maquiou e se perfumou pela primeira vez. Queria chamar a atenção de um menino, e isso a motivou. Nunca havia reparado em seu corpo depois de adulta. Sentou em frente ao espelho e abriu suas pernas. Pela primeira vez olhou seu sexo. O tocou. Estava úmido. Tocou em seus seios, não como um médico, ou um homem, mas delicadamente, como queria ser tocada. Pensou na maneira que havia sido tocada em seus sonhos, e tentou repetir. Suas mãos percorriam seu corpo, e seu prazer foi aumentando. Após um pequeno momento, sentiu-se tonta e com espasmos no ventre. Era um orgasmo. Atordoada, Isabel levanta-se, se enrola na toalha, e chora, como uma menina.

Aquilo era novo e inesperado. Uma reação que havia sido ótima, mas assustadora. Isabel não iria comentar sobre aquilo, mas depois de pensar muito, pensou em repetir. Ela o fez. E gozou de novo em todas as vezes. Sua curiosidade feminina atiçou-a, e mesma começou a pensar como seria sentir isso com um homem, um parceiro. Será que seria vista como uma mulher da vida, uma pária, uma qualquer se agisse desta forma com um homem? O que ele pensaria dela? As dúvidas estouravam em sua cabeça, assim como na sua adolescência. Numa manhã fria de Abril, Isabel foi até a rodoviária receber os filhos que haviam chegado da capital. Os dois já eram adolescentes e sempre que chegavam, a família fazia uma festa. Isabel esperou, e eles não chegavam. O ônibus já estava atrasado passava de uma hora. Ao se informar, soube que o atraso era por causa de um acidente na estrada, mas que em breve estariam chegando. Enquanto esperava, um olhar insistiu em perseguir Isabel pelo terminal. uma mulher sabe quando está sendo observada e ela ficou intrigada. Era um homem tomando café, de terno, na lanchonete. Ele insistia em olhar Isabel como um lobo faminto. Por um momento, ela pensou em mudar de lugar, mas algo a prendia. Era um homem novo ainda, por volta dos 28 anos. Tinha um rosto jovem, era alto, e estava bem elegante. Inconscientemente, Isabel foi até a lanchonete, e pediu um chá, sendo prontamente atendida. O homem continuava a olhar. Ela não se conteve e bem grossa questionou o rapaz sobre o que tanto ele a olhava. Ele, cortês, respondeu que estava atônito pela beleza dela, que seu corpo era escultural e poético, e que só um cego não a observaria. Tudo isso com olhos vidrados no rosto de Isabel. Suas pernas tremeram. Era a primeira vez que um homem atraente a cortejava. Aquilo era deliciosamente proibido. Como ela estava sem palavras, ele deu um sorriso e disse que estava de saída, mas que estava sempre na cidade. Deu seu cartão, era um advogado da Cia Açucareira. Jorge era seu nome. Logo após chegou o ônibus com seus filhos e Isabel se recompôs. Jorge já havia pago pelo chá de Isabel e seu café e aguardava para entrar no seu ônibus, sempre de olhos fixos nela. Embarcou e se foi. Ela nunca contactou-o.

Isabel é uma mulher, como tantas outras, que renegou ou teve renegado o direito de ser mulher plena. Sua vida dalí em diante foi sexualmente plena, e isso preencheu o grande vazio que teve em sua vida. Da visão podre da sociedade masculina que teve ao deparar-se com as irmãs na zona do meretrício, até o momento onde descobre seu prazer de viver, e se sente mulher desejada, muito se passou. As Isabéis da vida que temem provar o que há melhor morrem tristes, deprimidas, incompletas. Ser mulher é ser também casta sim, mas é saber que o prazer não é pecado. Ter um parceiro e não ser casada não é sinônimo de perversão. Ser casada e querer ser desejada também não. Quero que Isabel goze, quero que as mulheres gozem. Quero sejam felizes por serem sagradas, que se libertem das amarras da sociedade católica. Poder apreciar cada centímetro do que há de bom e de ruim em vocês. Queria que Isabel fosse uma espécie em extinção.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A Falácia do Perdão

Tenho asco de conceitos religiosos. Muitos deles já estão batidos na louca sociedade atual, e precisam urgentemente ser renovados para que a religião não se torne ultrapassada na sua prática pela humanidade. Mas não é de religião que quero falar aqui, e sim da sua verdade universal mais propagada pelas nossas imundas bocas: O perdão. Ser um exercício divino não o exime de ser uma tortura. O perdão está inversamente ligado ao orgulho, um dos nossos traços mais marcantes. A igreja Católica o venera, o impõe e os fiéis fingem que o praticam. Sim, estou falando que são todos mentirosos aqueles que dizem que perdoam, e fazem como no famoso dito popular: "vamos por uma pedra em cima disso tudo?". Balela. O povo é cínico pra burro, citando Nelson Rodrigues.

O perdão está além das nossas capacidades limitadas de ser-humano pós primata. Costumo pensar que a religião está aí para nos ensinar algo que nunca seremos ou colocaremos em prática. Ainda assim existem indivíduos que acreditam completamente que perdoaram seus desafetos, e vão conseguir conviver, enfim, com um sentimento de bem-estar consigo próprio e com Deus. Acreditem no quiser, eu não acredito na raça humana. No fim, a pessoa que "perdoa" jamais deixará o perdoado esquecer seus erros, jamais deixará de lembrá-lo que um dia o "creditou" de uma possível segunda chance. Até nesse momento, o orgulho de quem perdoa está em ação.

A característica mais marcante de quem perdoa é o seu ego descabido. É como um antigo Imperador romano, acima do bem e do mal, que tem a vida de um reles qualquer em suas mãos. O ato de levantar o dedo para perdoar e abaixá-lo para condenar é um ato de puro ego, onde o mesmo, ao perdoar, se sente absolvido pelo perdoado. Sim, o ato do perdão é um ato egoísta. Ora, chegamos a duas conclusões interessantes: Quem perdoa mente e quem perdoa pensa em sí próprio. Não se esqueçam, estamos falando de um conceito religioso.

Como podem mortais como eu e você perdoarmos alguém se temos defeitos mais terríveis que qualquer mal que possamos ter feito um ao outro? Isso é capcioso porque lida com um grande paradoxo. O perdão está para a índole humana assim como a escrita está para um cão. Não temos pureza o suficiente para relevarmos erros alheios porque estamos repletos de erros próprios. Não conheço e acredito que não conhecerei ninguém iluminado o suficiente para sair por aí perdoando os erros da humanidade. O ato de cinismo ao dizer eu te perdoo é tão latente que me faz analisar alternativas mais condizentes ao nosso patamar de evolução. Ao invés de dizer eu te perdoo, você pode dizer: - Sou tão ruim ou pior do que você, não sou ninguém para te perdoar, mas sei que nunca mais quero olhar nessa sua cara. Isso sim é justo! Ser real, verdadeiro, e dizer aquilo que sente. Agora, falar simplesmente eu te perdoo é mentir, pura e simplesmente, para você próprio e para a outra pessoa.

O perdão é uma das grandes mentiras perpetuadas pelo ser-humano de tempos em tempos para justificar os seus erros. É muito mais fácil tentar não errar, e se for errar, estar preparado para as consequências. Quem perdoa mente, e quem aceita o perdão sabe disso.