sábado, 30 de janeiro de 2010

Quem Nos Usam São as Mulheres!

Num fim de uma tarde cálido, num bar qualquer de uma grande cidade do Brasil, dois homens faziam alegremente seu Happy Hour de sexta-feira, após uma semana de labuta incessante. O verão tinha recém começado, e o tintilar das canecas de chopp nas mãos lépidas e hábeis dos garçons daquele recinto atiçavam o paladar daqueles dois guerreiros engravatados, e impulsionavam uma prazeirosa conversa.

Toninho e Marcos eram seus nomes, casados, com filhos, beirando os trinta anos. Alí, naquele calor infernal, suas gravatas eram afrouxadas à medida que o suor lhes escorria pelo pescoço. Após o primeiro gole, Marcos divaga sobre seu trabalho. Mais especificamente sobre uma estagiária que o tira do sério. Seu nome era um fruto da modernidade, ou melhor um aborto linguístico, Keirrilyn. Sim, meu confrades leitores, é cada nome... Para aqueles que achavam que Marcos estava às turras com essa moça, ou puto pelos serviços mal prestados podem tirar os olhos do texto, vocês são puros demais para este Blog.

Marcos estava completamente louco pelas coxas de Keirrilyn, pelos seios, pela bunda...pelo conjunto da obra. Um grande impedimento, entretanto, era sua idade. Não a de Marcos, a dela. Keirrilyn era uma doce proibição da natureza, tinha somente dezesseis anos. Doces dezesseis anos. Toninho, putanheiro como sempre, já avisou ao amigo que não viesse com melindres e já foi logo perguntando: -E aí, vai perdoar? Marcos era muito ponderado, e cortou o amigo com um sonoro: -Não sei! Marcos se derretia ao falar da moça, dos seus trejeitos, seu aroma inebriante, a maneira como seus quadris roçavam em suas costas toda a vez que ela vinha até sua mesa para lhe entregar qualquer coisa. Era uma tortura. Keirrilyn era uma moça com cabelos aloirados, e apesar da pouca idade tinha curvas insinuantes, e sabia disso, usando sempre roupas mais curtas.

Toninho, ao saborear-se deste conto, não se fez de rogado e deu sua versão de algo que lhe houvera ocorrido no passado, com traços de similaridade com o caso de Marcos. Toninho tinha uma esposa que houvera conhecido ainda na tenra idade, eram ambos muito jovens ao início do namoro, e sua imaturidade acabou levando-o a um casamento prematuro. Márcia, sua esposa, era uma bela balzaquiana, que se cuidava muito e, além de tudo, era uma mãe exemplar. Após a primeira caneca e mais uma afrouxada na gravata, Toninho disse que a amiga de sua mulher vivia sempre na sua casa, em festas, confraternizações e até mesmo em visitas corriqueiras, mas sempre lhe foi muito cordial, apesar de estar alí por Márcia. Seu nome era Ana, e era bem mais jovem que sua mulher. Ambas tinham uma amizade muito forte. Toninho afirmou que num belo dia, Ana trouxe os seus sobrinhos para a festa de seu filho mais velho, em sua casa, e que naquele dia em particular ela estava esfuziante. Toninho a observara de modo diferente daquela vez, e a mesma percebeu. Márcia, sempre muito mãezona não percebeu o clima entre os dois, e foi entreter a criançada. Neste meio tempo, Toninho se aproximou de Ana e os dois começaram uma conversa, e ele já estava "temperado" de uns whiskies que houvera tomado naquela tarde. Ana, como toda mulher, se sentiu lisonjeada com os avanços de Toninho e quando menos se esperava, ele a convidou para algo fora daquele meio familiar. Era um tiro no escuro, mas Ana aceitou, e brevemente naquela semana os dois já haviam começado uma tórrida relação extraconjugal.

Até este momento, Marcos ainda não tinha esboçado qualquer reação, mas por dentro algo lhe ardia. Era o poder da sugestão. Ele perguntou então como que aquilo tinha dado certo, visto que a moça era a melhor amiga de sua mulher. Toninho não titubeou e disse com vêemencia: -Mulheres não têm amigas, companheiro. Têm concorrentes! Ambos riram, e pediram mais uma rodada. À medida que a bebida fazia efeito, os rapazes começavam a aumentar o tom de voz, Marcos resolveu quebrar sua fleuma e foi cuspindo tudo, feito uma metralhadora sexual. Ele começa a pensar no que fará com a moça na segunda-feira, e Toninho é só alegria. Marcos era feliz em seu casamento. Dora, sua mulher era muito doce, um amor de pessoa. Depois dos dois filhos tinha perdido boa parte de sua silhueta e, muito do seu elan sexual. Marcos nunca reclamou, mas via sua esposa ficando rotunda passivamente, talvez até com certo cinismo. Seus dois filhos eram lindos, e eram a alegria da casa.

Marcos e Toninho trabalhavam num banco de investimentos, e suas rotinas estressantes eram a tônica para que assuntos como estes, pequenos devaneios sexuais, surgissem sempre em suas conversas pós-trabalho. Aquilo servia como válvula de escape num cenário onde ambos eram bombardeados com pressões diárias de produtividade e desempenho. Além disso, tem-se a pressão de ter que sustentar a casa, dar um futuro brilhante para os filhos, alcançar os sonhos mais básicos da classe-média brasileira, com uma promessa de uma aposentadoria tranquila nos anos que se seguiriam. Eram, enfim, homens comuns. Suas conversas em nada diferiam dos outros homens com as mesmas responsabilidades, e seus desejos extraconjugais eram uma terapia e tanto para suas mentes maltratadas.

Já passavam das 21 horas, e ambos decidiram encerrar a noite. Pagaram suas contas e no caminho até os carros, Marcos raciocinou e disse ser uma heresia aquilo tudo que houvera dito na mesa. Admirava, sim, a beleza da mocinha, mas não iria partir para a sedução de modo algum. Além de ser ilegal, poderia lhe arruinar a vida, profissional e pessoal. Toninho ponderou, e disse, em tom de brincadeira, para que comesse uma garota de programa para extravasar tudo aquilo. Disse ser só tesão reprimido, que logo após possuir outra mulher voltaria pra casa mais tranquilo e dormiria como um anjo nos braços "gordos" de sua mulher. Marcos riu e disse que iria pensar.


No dia seguinte, fim-de-semana, Marcos leu seu jornal, como habitualmente fazia e numa tentação dos diabos olhou os classificados de garotas de programa. Olhou anúncio por anúncio, Travesti bem-dotada...não; Coroa massagista, finalização...sorriu e disse que tinha isso em casa, para que pagar? Ninfeta, 19, completa...sim, é essa. Marcos olhou para os lados, levantou de sua poltrona e foi até a garagem em posse de seu celular. Uma voz deliciosa atendeu do outro lado, dizendo estar disponivel num flat da cidade. Marcos ficou mudo por um tempo, depois pergunta o preço, que lhe é prontamente respondido: -R$ 200,00 a hora, meu bem! Em posse do endereço, Marcos leva a família para almoçar. Sua cabeça está a mil, sua libido está borbulhante, e as conversas da família à mesa são ignoradas por ele.

Era um pensamento tentador, Marcos nunca havia traído Dora. Fazia tempo que não sentia o toque, o cheiro de outra mulher e isso foi fatal. Ele marcou o horário e foi até o flat da tal ninfeta. Chegando lá, a mesma o esperava de lingerie e ele perdeu a saliva na boca, ela era linda. Tinha olhos claros, mas era morena como um ébano. Seu corpo era esguio como uma cobra pronta para dar o bote, os lábios eram protuberantes, e o cheiro...era puro almiscar. Ela ofereceu-lhe um drinque, que ele prontamente aceitou, enquanto ficava mais a vontade naquele local. Pensou quantos homens já estiveram ali, e um certo asco lhe bateu. Entretanto, já que estava no local, não poderia dar pra trás. A ninfa trouxe o drinque e foi sentando no colo dele, relaxando-o como prometera. Os detalhes são exógenos ao texto, mas correu tudo muito bem, foi uma senhora transa. Daquelas que Marcos não tinha há um bom tempo. Ele puxou assunto com a moça, perguntou seu nome, a quanto tempo fazia aquilo. Ela foi bem vaga, mas disse que precisava muito da grana e que estava difícil demais conseguir um emprego na cidade. Marcos estava em tal êxtase, que acabou perguntando mais e mais sobre ela. Era flagrante, Marcos estava fisgado.


Marcos pagou a moça, e lhe disse se poderia voltar. Ela ironicamente disse que enquanto ele pudesse pagar, lá ela deveria sempre estar. Isso causou um certo desconforto. Marcos foi embora. Na segunda-feira, tudo correu normalmente, Keirrilyn fez seu serviço diário e Marcos a observou da mesma forma, mas desta vez não houve tentações, ou seja, Toninho estava certo. Não que a menina não fosse até bem assertiva com ele. A moça era bem ambiciosa, e queria sim flagrantemente provocar um ataque de Marcos, com qual objetivo ele ainda não supunha até aquele momento. Mas isso estava fora de cogitação, este mundo era muito cruel para se arriscar daquela forma.

Passou-se um tempo e aquela profissional do sexo não abandonava a cabeça de Marcos, e num outro Happy Hour da vida, ele se abriu e contou tudo a Toninho. Não sabia o que sentia, mas sabia que era proibido demais para se sentir. Toninho, sacana como sempre já foi logo tirando da jogada dizendo que aquilo era ainda pior que se envolver com a adolescente. Marcos ficou mudo. Toninho explicou dizendo que namorar uma garota de programa, além de imoral, pois é ser corno consentido, é um contrasenso. -Já pensou num belo dia que você estiver louco para transar e ela alegar aquela famosa "dor de cabeça", o que vai fazer? Marcos disse que se a amasse, respeitaria. Toninho riu e disse que era bobagem, que ele iria logo botar r$ 200,00 na cama e iria se oferecer então para pagar. - E aí, vai continuar com dor de cabeça mesmo seu eu pagar? Marcos ficou sem-graça, mas concordou. Brindaram que aquilo era ridículo mesmo. Marcos então perguntou sobre Ana, como andava sua relação extraconjugal com ela? Toninho disse que já tinha acabado há muito tempo. Quando ela percebeu que ele estava gostando, tirou o "time" de campo, ou seja, fazia parte daquela nova horda de mulheres predadoras que estão brotando aos borbotões na sociedade atual. Marcos riu, e pediu outro chopp.

-Peraí, você esta me dizendo que neste exato momento tem mulheres por aí que saem com homens por diversão e transam sem compromisso assim como nós?
-Sim, meu amigo, elas estão por aí! O prazer delas é a transa pela transa, seja o cara casado ou não. É como se os valores estivessem se invertendo ou se equivalendo. É o terceiro estágio do feminismo que teve início no século passado.
-Qual será o próximo?
-Nem quero pensar, meu irmão.

Um silêncio aterrador toma conta da mesa...eles gritam: Garçom, traz a conta!

- É, vamos pra casa ficar com nossas feministas à moda antiga. Até segunda companheiro!
- Até!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

O Carisma Exibicionista Versus A Privacidade

Às vezes me espanto como tudo na vida tem dois pesos e duas medidas. O que é monstruoso pra mim, pode ser agradável para vocês, pode-se adorar alguém e outra pessoa odiar este mesmo alguém. Enfim, nada é unanimidade nas cabeças complexas dos seres-humanos. O que dizer então de se querer agradar a todos? Seria uma utopia? Carisma é a questão a ser abordada.

O carisma é um traço marcante da nossa personalidade, e reflete o quanto nossas relações sociais são valorizadas entre nossos semelhantes. Eu observo muito as pessoas carismáticas, e chego a uma conclusão muito simples: São "vaselinas". O leitor que não compreende a gíria está intrigado, mas eu explico. "Vaselina", além de ser um derivado do petróleo para lubrificação, também é um termo utilizado para se designar pessoas que são flexíveis em todos os sentidos. Têm opinião mutável, se adaptam ao sabor das tendências, e não se prendem a um dogma, por mais absurdo ou correto que ele esteja. Não consigo me encaixar nessa pecha.

Longe de mim querer criticar o carismático. Não posso, entretanto, deixar de citar que grandes personalidades carismáticas da história se tornaram os maiores fascínoras da humanidade. Hitler, Pol-Pot, Stalin, Franco, Saddam Hussein...entre outros, são exemplos marcantes do carisma utilizado para fins de liderança suprema. Todos eles beberam na fonte da busca incessante pela aceitação popular, em prol de um objetivo maior, cada um à sua maneira. E o carismático comum? Como é? Temos hoje em dia exemplos mais marcantes de pessoas carismáticas ao nosso redor. Com a internet, essas pessoas conseguem amplificar suas atitudes populares e arrastam milhares de seguidores com elas. Sites de relacionamento denotam muito isto. As pessoas intensificam seus círculos de amigos, virtuais ou não, e cultivam um comportamento bastante marcante, que apesar de"vaselina", apela para o escancaramento das suas vidas particulares, por meio de fotos documentando cada simples evento de suas vidas. É, hoje todo mundo é meio celebridade.

É incrível, mas percebam que a pessoa mais carismática é sempre aquela que mais aparece nestes sites de relacionamento com fotos, vídeos, trechos "chupinhados" de sites de frases de efeito etc. É o tesão da classe-média atual ter o mesmo comportamento de celebridades tolas que exibem suas vidas para todos verem. Querem ser pequenas e célebres criaturas anônimas, mostrando fotos em poses provocantes, nas viagens, no churrasco do amigo, nas micaretas (habitat natural dos carismáticos), baladas, no ponto de ônibus etc. Só falta mesmo documentar o ato sexual privado de cada um. Aí sim, teremos o grande "big brother" do proletariado, com seus microcomputadores parcelados, recém inclusos digitalmente, tomando sol em seus quintais com biquinis atochados, ou sunguinhas pequeneninhas, fazendo biquinho pras suas camerazinhas digitais. Não se ofendam, o que todos querem é ser menos anônimos, e mais amados. No fim, é tudo uma busca pela aceitação, pela inclusão, num cenário de capitais e grandes cidades onde as relações são cada dia mais frias.

Ser carismático pode ser sinônimo de poder. Nosso presidente é extremamente sedutor ao povão, com seu jeitão de "seu Zé do bar vestido de paletó", ele conquista cada dia mais adeptos, até mesmo a mim. Luís Inácio "Lula" é até objeto de filme hoje em dia, protagonizado por atores de primeiro time. Quem tem mais de 30 anos sabe o caminho que este homem percorreu até chegar onde chegou. Saberia também que, há 20 anos atrás, jamais ele conseguiria ser presidente com seu discurso popular. Eu disse popular, não populista. Ele é o maior exemplo de onde o carisma pode levar, por isso muitos se enviesam para este caminho, o caminho da fácil aceitação, da aceitação a qualquer custo, da supressão da personalidade em troca do sorriso alheio e do famoso: "me adiciona aí!".

É uma nova sociedade o objeto deste texto. Um novo paradigma que direciona a uma vida de falta de privacidade explícita, e exibicionismo sem precedentes. Quem critica, diz que isso tonará nossa sociedade mais vulgar. Quem aplaude, defende que as pessoas serão mais unidas, derrubando antigas barreiras de relacionamentos que geravam preconceitos e até conflitos. Eu prefiro manter meu perfil pouco carismático, mas porque sou mais recluso, um traço marcante de minha personalidade. Jamais tentarei ser algo que não sou. Já o fiz, mas só me trouxe raiva de mim mesmo. Na verdade, quem me conhece me acha até irritante. Talvez este seja meu charme. Talvez não. Enfim, muito cuidado com o que desejam. Querer ser bem visto na "rodinha" pode ser a sua ruína, pois quem muito se expõe está arriscado a ser escrachado e até invejado. O anonimato traz alguns benefícios que só quem já o perdeu pode valorizá-los. Cultivem um pouco a privacidade, por favor! Faz bem guardar algumas coisas só para sí.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O Reveillon E O Macumbeiro De Ocasião

Passaram as festas de fim de ano. Os excessos, as desavenças, as divídas, as desilusões, as dores...ficou tudo para trás. É muito comum vermos as pessoas prometendo novas atitudes, melhoras no aspecto pessoal, profissional e emocional. Tudo pode ser mudado a qualquer dia e momento da vida, mas a coisa fica sempre para o fim de ano. Típico do nosso comportamento mesmo. Ritos de passagem dão a tônica deste momento único do ano, onde todos se abraçam, dizem coisas positivas, até mesmo para estranhos. Engraçado, ficamos mais educados também. Aquele mesmo indivíduo que mandamos para o inferno por ter nos fechado no trânsito, se torna um amigo momentâneo. Alí, naquela faixa de areia, onde depositamos oferendas para as entidades africanas, nos vestimos de branco, como pais e mães de santo. Onde damos sete ou oito pulos em ondas para boa sorte, estouramos nossos espumantes baratos, estouramos nossos fogos de artifícios e, já disse que abraçamos todo mundo?

Chegou a hora da contestação. É muito comum sairmos por aí, e ouvirmos sempre coisas negativas sobre a "macumba". Dizem ser coisa do Diabo, que seus rituais são pagãos, que seus praticantes são semeadores do mal alheio e atrasados financeiramente. Engraçado. A coisa que mais prezo é ver uma pessoa que reconhece os rituais que pratica como algo benéfico em sua vida. Não importa o quão estúpido e repetitivo seja, o conhecimento das coisas que você considera de bom-senso para a sua vida devem ser respeitadas. Por outro lado, a grande maioria dos robóticos pseudo-macumbeiros que vão à praia estão pouco preocupados com o sincretismo por trás dos rituais afro-brasileiros praticados no Brasil afora durante o Reveillon. Fazem isso por puro modismo. Mas esperem, não eram estes que diziam horrores sobre a macumba e suas variações? Ora, se adorar uma religião africana é simbolo de atraso de vida, por que seria durante o Reveillon, por exemplo, jogar flores à Yemanjá, um ritual positivo? Ainda nesta linha de raciocínio, por que estas mesmas pessoas ouvem e louvam artistas baianos do mainstream que usam e abusam de termos afro-religiosos em suas "músicas"? Eles evocam entidades e termos somente utilizados em sessões e rituais da macumba em seus versos, mas quando são eles que cantam, a coisa se torna cool. É como aquele rapper que incita a violência e é adorado, mas quando um cidadão o faz é apontado como um pária. Isso se chama hipocrisia.

A questão é em si ridícula, e digna de escárnio. Raul Seixas dizia que preferia ser Metamorfose Ambulante do que ter opinião formada sobre tudo. Eu tenho opinião, e peço licença ao brilhante Raulzito, que por sinal era Baiano, para discordar neste ponto. Fazer as coisas por fazer é muito a cara desse país. É conhecimento comum que a superstição é a defesa do ignorante contra as coisas ruins que lhe acontece, e o mesmo não consegue explicar. Usar roupas brancas, pular suas ondas, pedir coisas à uma entidade e oferecer-lhe flores etc. Tudo isto faz parte de um medo imaginário de um cidadão já cansado de perder. Estamos num país perverso e violento, de pessoas mal educadas, mal nutridas, desvalorizadas e desiludidas. A esperança que as coisas vão melhorar é o que faz esta gente sair da cama de manhã, e é o combustível para que rituais como os apontados neste texto ganhem cada vez mais força. Até mesmo a elite já os praticam, mas por outros motivos. Eles os praticam para não ficarem demodé, porque usar branco é chique, passar Reveillon na praia é o que nos faz uma nação de gente alegre, mulata, que brinca quando não deve. A elite repete e venera os rituais dos pobres quando lhe convém, para ufanizar as coisas do "Brasil pra gringo ver", no Reveillon e no Carnaval, para no restante do ano fazer o que sempre fez por séculos: ser carregada por eles.

Queridos leitores, continuem usando branco no Reveillon, vão para as praias, joguem oferendas ao mar, pulem seus pulos. No mínimo vocês estarão livres de germes, aumentarão a quantidade de matéria orgânica nos mares e terão seus músculos das coxas mais fortes, pelo menos até o dia primeiro, pois vocês já terão novas resoluções. Aí tudo isso fica pra trás, e vocês voltam a ser as mesmas criaturinhas ridículas e julgadoras que vocês são: "Macumba é coisa de preto!", " Você me fechou, seu filho da puta", " Veio de branco hoje trabalhar? Parece até um macumbeiro!". Aí vem o carnaval e você se torna legal: "Ivete sangalo é tudo de bom", "Vou passar meu carnaval em Salvador, de Abadá e tudo!" "Eu sou filho de Ghandi que nem o Gilberto Gil". Por fim vem o Reveillon: "Que seu ano novo seja lindo e próspero!", "Que roupa branca linda, é de qual grife?", "Vou fazer uma oferenda à minha Santa no Candomblé que um baiano me disse num bloco de carnaval de Cláudia Leite. Sabia que sou filha de Yemanjá?...E tantas outras mais atrocidades que ouvimos por aí.

É por essas e outras que devemos evitar fazer algo só porque está na moda. Façam o que gostam, independentemente dos que os outros possam pensar. Vistam o que tiver vontade, não se rendam a superstições ridículas. Quem faz a sua vida é você, e as coisas que te acontecem são pura e simplesmente consequências dos seus atos. Desejar o bem ao próximo deve ser sempre, e não só no Reveillon, assim como as benesses que você venha a fazer por sí próprio, não precisam esperar até o fim de ano. Se você é macumbeiro, cumpra seus rituais. Se você não é, não passe pelo ridículo de fazê-los só por fazê-los, ou porque os outros os fazem. É ofensivo e imoral. Este país precisa de gente de personalidade, e não de macaquinhos amestrados que repetem as coisas por pura necessidade de aceitação, ou porque as acha legal.