sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A Horda De Zumbis Sociais

...Ou aleijados sociais, como queiram. Minha adolescência se passou num período pré internet. Ao menos meu ápice se deu neste período. Das coisas que mais me lembro, das mais especiais, posso considerar que a convivência diária com meus amigos era algo gostoso. Chegávamos da aula e íamos diretamente à praia, jogar futebol, falar de mulheres, observar as transeuntes e seus biquinis deliciosos. Nossa vida era aquilo tudo, de segunda a sábado. Nas sextas e sábados à noite nos reuníamos em um local extinto, mas agradável, onde podíamos fazer aquilo que mais gostávamos de novo, que era falar de futebol e mulheres. De vez em quando surgia a oportunidade de ir ao que chamam hoje de Balada, num também extinto estabelecimento, onde dançávamos ao som do que tocava na época. Entrávamos com identificações falsas, as fazíamos em qualquer lojinha que continha uma maquina de Xerox, e lá adulterávamos inocentemente nossas idades para dezoito anos. Nem um ano acima e nem um ano abaixo, sempre dezoito. A técnica não convem explicar aqui, mesmo porque se tem uma coisa que não quero ser é mau exemplo, mas posso dizer que funcionava. Apesar de terem se passado quinze anos, muita coisa mudou. Eram mais rígidas as regras para adolescentes entrarem nas boates (aí um termo mais nosso, da época) sendo menores de idade. Todo mundo pedia nosso RG, não era fácil. O domingo era dia das famílias, e na segunda chegávamos na escola contando, aumentando as peripécias do fim de semana, para culminar com mais um joguinho de futebol na praia, pela semana à fio. Tomávamos agua do chuveiro quando tinhamos sede, brigavamos constantemente no jogo e depois estavamos juntos novamente. As meninas não gostavam muito da gente, pelo menos do nosso grupo, mas adorávamos observá-las. Toda esta introdução serve para ilustrar exatamente o ponto principal do texto, que tenta mostrar o quanto a internet tem degenerado as relações sociais do presente, especialmente a dos adolescentes, que precisam muito da socialização neste periodo dificil, algo que ajuda e muito no desenvolvimento das suas personalidades e criam vinculos sociais eternos para eles.

É um pouco complicado entender o mundo atual. O que era branco e preto está se tornando pink com lilás laranja e amarelo, ou seja, não temos certeza de muita coisa hoje em dia, senão da famigerada morte no fim de tudo, e olhe lá. Muita coisa que era segregada, hoje se fundiu, como a cultura, música, arte etc. É um resultado óbvio do encurtamento das relações que a internet trouxe. Ponto positivo pra ela neste quesito. Nem sempre o resultado é bom, como na musica, por exemplo. Entretanto, na maioria das vezes o que ocorre é a queda de barreiras sociais, e uma melhor aceitação do que é diferente. Enfim, esbanja tolerância num mundo cada vez mais intolerante. Nos anos sessenta, setenta e oitenta (um pouco nos noventa) era fácil saber quem era quem, ou seja, se fulano era gay, chique, roqueiro, hip hop, punk, aventureiro, cafona, careta etc. Hoje está tudo meio que fundido (eu disse fundido!). É positivíssima a consequência desta saladinha cultural pois nos leva ao fim paulatino dos preconceitos de outrora, que tanto atrapalhavam as relações sociais entre pessoas de origens e países distintos. Hoje dança-se forró no Sul e música eletrônica no Norte, por exemplo.

O que não esperávamos é que a internet fosse ter seu lado perverso, ou melhor, esperávamos sim, só que o ignoramos dadas as facilidades que a mesma trouxe em nossas vidas. Quem hoje aqui estaria disposto a abrir mão de seus e-mails (antes cartas e cartas), MSN e afins, notícias just in time, informações infinitas etc.? Eu também não. Pressinto, entretanto, que deva haver um limite para o grau de atuação da internet, especialmente nas mentes mais jovens. Redes sociais são uma praga, devo admitir. Percebo muitos jovens criando um microcosmos em suas redes sociais, fingindo comportamentos e maneiras de ser, flertando com o fake, criando uma persona que quase sempre não condiz com a realidade da sua personalidade. O que é pior, preferindo quase sempre o frio contato via internet ao encontro físico com seus "amigos" de rede social. Digo "amigos" pois muitos que estão ali eles jamais encontrarão ou se socializarão. Trocarão somente experiências ridículas, em frases cada vez mais sucintas, sem conteúdo. Alguns têm mil e tantos "amigos", mas são tão solitários quanto um homem de meia idade, divorciado e acima do peso. Aliás, quantos adolescentes acima do peso, não? Óbvio que se não se fazem exercícios e ficam tanto tempo sentados, 'online', não serão nenhum exemplo de vigor atlético.

O resultado disso tudo são jovens obesos, sem auto estima, sem assunto, fechados, reclusos como ratos em subterrâneos durante o dia. Sim, até mesmo os ratos do subterrâneo saem à noite, não? A depressão, que é tão latente na adolescência, se intensifica num ambiente desses, e pode levar a coisas piores. A consequência mais futura deverá ser mesmo o aleijo social, a prostração das relações. Estes adultos do futuro terão problemas em criar conexões sociais REAIS, que dificultarão e muito suas vidas como um todo. Profissionais que não se socializam ficam pra trás. Pessoas sem amigos reais (não só amigos de balada ou de redes sociais) são mais propensas a problemas psicologicos como depressão e pânico. A família será sempre um refúgio, não é? Pois até mesmo a familia sofre com um recluso social destes e acabam por isolá-lo naturalmente.

A criação de personagens na internet como um todo, daquele cara legalzão, bonitão, que tira fotos do torax para as moças, ornado com seus piercings e tatoos é pura exposição falsa. Ele é um produto de uma salada cultural sem identificação com nada, mas seu intuito é somente mostrar, expor algo que quase nunca condiz com sua realidade. Deve ser duro pra este jovem olhar para si e perceber que nunca exerceu a realidade, ou seja, se perdeu na virtualidade e nas mentiras que inventava a si próprio. Ele tem a necessidade de mostrar cada passo que dá em seu microcosmos virtual, e quase sempre com uma dose de enfeite tremenda. Ele é fashionista, é escravo de uma moda e suas regras, é fanático por artistas comerciais, que também nada têm a contribuir senão com o caos intelectocultural. Ele é capaz de estar numa mesa com amigos e pegar seu smartphone e conectar-se a um serviço de mensagens rápidas num clique, somente porque não consegue ficar sem. Ao não socializar-se, ele não evolui, não dialoga, não desenvolve a fala e seu discurso, atrasando ainda mais seu desenvolvimento. O pior de tudo: não lê! Se não lê, jamais vai escrever bem, e se escreve internetês fatalmente vai acabar usando isso na vida real e vai sendo assim julgado. Seu futuro é ser um zumbi social, um alheio, um mero profundo conhecedor de emoticons ou retwiador de sandices, e nada mais.

Eu ainda encontro meus amigos da escola porém não mais jogamos bola com tanta assiduidade. Fazemos programas mais adultos. Alguns estão distantes, outros estão perto, mas altamente ocupados. No entanto, ao menos duas vezes no mês, nos vemos e sabe do que mais? É como estar na escola de novo. Usamos a internet para nos comunicar com aqueles que não possam estar por aqui, este sim, um uso correto da ferramenta. No fim, é só o que levamos para o resto de nossas vidas: as amizades reais, os amores eternos e nossas conexões sociais como um todo. Não faço questão de levar meu micro comigo para o além mundo, quero ir para o céu. Porém acredito que o inferno é uma grande Lan House, sem ar condicionado, com um monte de alienados, babando, olhando para telas, atrofiados, jogando Counter sei lá quê, enternamente, como zumbis.

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