sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Quais Meios Te Levam a Deus?

    Certa vez me disseram para procurar Deus, que eu estava adoentado da alma. Pensei profundamente sobre este pedido, refletindo minuciosamente as consequências de uma comunhão tardia com o que há de mais puro no sentimento humano sobre as questões do universo, da vida e da morte: a religião.

    Não tenho vocação para ser um homem comprometido com a fé cega e desesperadora. Por outro lado, também não me perco na incredulidade ignorante, que cega os homens e os fazem crer somente no terreno, no material e na superficialidade vista pelos seus olhos humanos e limitados.  Prefiro me encaixar no meio, crendo na imensidão e, ao mesmo tempo, na pequenez humana como a prova vigente da existência de uma força maior que rege este infinito universo, cercado de mistérios e coincidências acachapantes, que nossos cérebros não conseguem e jamais conseguirão compreender, de fato.

   A limitação humana é tal, que precisamos criar barreiras, fronteiras, até mesmo para que possamos exercer a fé numa força superior, como citada acima. Estes obstáculos criam uma zona de segurança, uma maneira fácil de coordenar nossas questões mais sem resposta, tais como para quê fomos colocados nesta terra, para onde vamos após sairmos dela e quais são nossos objetivos, uma vez vivos.

   Falando como um ocidental, nascido e criado dentro da filosofia cristã, nós seguimos um padrão de fé bastante lógico. Cremos numa força chamada 'Deus', que rege este universo, mais particularmente, este planeta, e que colocou seu filho aqui para ser morto pelo império dominante à época. Ou seja, Deus, de uma forma nada humana, põe um fruto seu num mundo que não o quis, algo impensável para nós,.humanos egoístas, que somente queremos que nossas crias sucedam num mundo que também lhes é irascível.  Dizem os cristãos que somos à forma e semelhança Dele, e como tal, devemos segui-lo e ama-lo, mesmo sem vê-lo, ou de muitas formas, senti-lo presencialmente. É uma dicotomia, de fato, mas que põe à prova tudo aquilo que a humanidade sempre pregou como mister em sua existência: a fé. Assim como esperar as chuvas para colheitas mais fartas rezava-se para o "deus chuva", o seres humanos atuais rezam para seu Deus para que consigam a casa própria, ou então para que a internet não caia. Vejam, Deus não mudou. Os problemas humanos mundanos, sim.

   Voltando ao cristianismo, o mesmo é um poço de incoerências, mas entende-se muito disso pela história. O que é que mais mexe com a psiquê humana? O que nos move como organismos vivos? O poder, é claro! O poder está para o ser humano assim como dejetos estão para moscas. Ele os atrai, os corrompe e os trai, por vezes. No fim, o cristianismo começou com uma forma de mostrar ao mundo que um homem de carne e osso, como qualquer outro, morreu pelos nossos pecados, sendo enxovalhado deste mundo por um bando de estúpidos politeístas, que estavam afundados e decadentes pelo próprio poder (vêem a correlação?) e cobiça. Ora, Jesus Cristo era um homem intangível, um homem com fé inimaginável. Um homem que foi tentado, usurpado, traído e ousou fazer o bem quando o mal regia. É um estória maravilhosa, esta, e nos faz pensar o quanto a humanidade é promiscua e sabedora dos pecados que comete, e ainda assim persistem neles.

   Não me interesso pelas parábolas bíblicas, nem pelas suas estórias de dificil assimilação e nem por seus eufemismos moralistas. Me interesso, sim, pela trajetória de Jesus. Ainda que não o considere reencarnado, entendo que sua imagem, palavras e atos devem ter feito grande diferença num período obscuro da nossa história, que levou seu legado às fronteiras mais distantes, numa época onde a comunicação e as noticias eram dadas por cronistas que aumentavam tudo que ouviam. Creio que, numa região onde o judaísmo era a religião vigente e o império romano julgava seu povo, deveria haver uma opressão tremenda sobre as pessoas, além da fome e pragas, que um ser humano como Jesus Cristo poderia muito bem ser um especial no meio de tantos. Ele pregou coisas que jamais houveram sido ouvidas, ele praticou a caridade, a justiça, o não julgamento e o perdão. Há coisas mais ausentes na humanidade que estas qualidades citadas? Pois bem, ele o fazia.

   Após sua morte, algo comum naquele período, numa crucificação desumana, assassina e terrível, acredito que toda a região tenha entendido a barbárie por trás daquilo, inclusive os romanos. A transição da Roma politeísta herege para a Roma cristã deve ter sido bem automática, visto que após a morte de Jesus há relatos de "conversão" instantânea, já que muitos acreditaram na ressurreição do mesmo, e levaram pra casa suas estórias, aumentadas e, por vezes, contadas com muitos excessos. Como disse, não contesto Jesus, e sim os cronistas da época. Após este período, foi fundado o cristianismo como conhecido atualmente, na figura da Igreja Católica, e a posteriori, muitas das suas dissidências.

   O catolicismo foi fundado na oportunidade de direcionar uma sociedade em decadência, num período que compreende o ano de 300 a 350, e os ensinamentos da Bíblia Sagrada, escrita pelos apóstolos (seguidores) de Jesus, fora sua base para a criação de uma religião sólida, com os preceitos do perdão, justiça, amor ao próximo, humildade, decência, compreensão, caridade e castidade. Eram conceitos perfeitos para um império que estava morrendo pela cobiça, ambição, promiscuidade, corrupção, ambiguidade sexual e violência desenfreada. Neste ínterim, os ensinamentos da Igreja foram elementos mister para a formação de uma nova sociedade européia, que deu origem à sociedade cristã atual, e que foi a viga mestra para todo um comportamento humano durante a idade média. Também conhecida como era das trevas...

   O problema do catolicismo é que ele foi regido por homens. Ora, regido por homens e devastado pelos defeitos do homem, como um todo. Como dito acima, o poder é a grande cobiça humana e por meio dele ocorre a putrefação da alma, a corrupção do bem e a cobiça pelo o que é do outro. Durante a idade média, o catolicismo muda de figura, ignora quaisquer preceitos cristãos, e oprime a sociedade mediana, com o apoio de Reis e Imperadores, sedentos de poder, que usavam a fé humana como meio de se manterem por mais tempo poderosos. A relação entre a Igreja e os Reinos e Impérios ficavam cada vez mais promíscuas, tornando o catolicismo, além de uma religião, uma emanação política, que se juntava aos fortes com o mero motivo da troca de interesses e dominação de outros Reinos e Impérios. Perdeu-se, portanto, toda a função de uma religião.

   Não era absurdo vermos Cardeais, Bispos e Párocos em relações promíscuas com membros de cortes européias, inclusive com a sangria de tributos pagos indevidamente às coroas, criando templos inimagináveis à época, como forma de demonstrar o poder de Deus e da fé. Templos não demonstram nada, mas para uma população com nível de analfabetização acima dos 90%, na época, algo tão grandioso devia causar calafrios e demonstrações irrestritas de fé que fariam da Igreja a instituição mais poderosa do mundo até o século XXI. A ignorância vigente e a propagação de pragas e pestes pela simples questão da falta higiene, era de forma oportunista utilizada pela igreja para amedrontar seus devotos, dado que a ciência era algo que somente egrégios tinham acesso, e era extremamente de rara aplicação. Neste período, a castidade era algo muito valorizada, e esta busca incessante pelo controle comportamental da sexualidade humana gerou uma série de poderes que a igreja colocou em prática, numa busca ensandecida por falhas nas pessoas, para que elas fossem queimadas, torturadas e mortas. Era o período da Inquisição Espanhola. Ora, não nos parece um tanto ironico e contraditório que uma religião busque matar seu rebanho "desgarrado" de uma forma tão cruel, tal como seu maior profeta morreu? Será que Jesus, na sua bondade infinita, gostaria que um de seus semelhantes fosse torturado, queimado e morto por somente questionar o mundo? Por ter idéias destoantes? Ou por ser feliz com sua sexualidade? Me parece uma dicotomia perversa.

   Dando um salto na história, a promiscuidade do catolicismo com o poder político chega ao extremo durante o período nazi-fascista na Itália e Alemanha do início do século XX. Vale lembrar que ambas as visões (tortas) políticas pregavam antissemitismo (Jesus era Judeu) e purificação racial a qualquer custo. Ou seja, quantas mortes ainda teremos em nome de Deus na boca de uma meia dúzia de déspotas com apoio de lideres religiosos? Pois nesta época ocorreram milhões delas. Recentemente, a Igreja Católica pediu desculpas ao mundo por ter apoiado estes regimes assassinos por tanto tempo. Entende-se que o catolicismo buscou de fato uma soberania quase que territorial no mundo ocidental, oprimindo por muito tempo seus fiéis, perdendo alguns, mas mantendo uma superioridade por dizer ser a religião que expressa melhor o cristianismo em toda a sua essência. Infelizmente, por anos, o declínio da fé humana por causa da ciência, que desvendou tantos mistérios, fez com que a Igreja fosse forçada a se reformar, levando a Santa Sé a rever sua forma de encarar sua expansão.

   A catequese deixou de ser forçada, pois era algo que trazia mais e mais o ser humano pro lado pecaminoso. A fé passou a ser opcional, o que dá ao ser humano aquilo que foi mais ensinado na base do cristianismo: o livre arbítrio. A partir do século XVIII, a igreja passou a entender a ciência como uma aliada na busca pelo conhecimento humano, o que nos trouxe grandes avanços em termos tecnológicos, fundando a sociedade cristã moderna, baseada no capitalismo e na livre iniciativa, que pode ser injusta mas é mais justa que outras formas de vida em sociedade. Adquirir conhecimento não mais se tornou uma heresia e sim uma necessidade para o fim da ignorância que tanto ancorava o crescimento da humanidade. Nada, porém, irá apagar o declínio do cristianismo no mundo, com seus métodos antiquados de ensinamentos, e suas crueldades passadas, desde a idade média, pisando nos preceitos cristãos na obtenção de riquezas, poder e território, patrocinando guerras e conflitos.

   Durante o século XVI, a teologia começou a pensar numa dissidência do catolicismo vigente, e alguns novos pensadores cristãos brotaram na Europa deste período. O reformista João Calvino foi o grande expoente desta ordem de pensamento distinto que, principalmente em nações maiores da continente, teve seus ecos mais ouvidos. Resumindo, o pensamento calvinista deu origem às igrejas evangélicas e batistas de hoje, que pensam o cristianismo como forma clara de crescimento espiritual, mas não abandonando alguns preceitos terrenos. O protestantismo ganhou força nesta Europa assolada pela Inquisição, por levar a cabo alguns preceitos retrogrados, tais como a manutenção da ignorância popular como meio de perpetuar poderes e a obtenção de riquezas pelo povo como meio justo de viver em harmonia em sociedade. Ou seja, cada individuo poderia ter suas particularidades seguradas pela sua habilidade em adquirir conhecimento e coloca-las em prática para obter seu sustento, podendo viver livremente, praticando seu amor a Deus e seu semelhante, sem ter vergonha de suas intimidades e de adquirir coisas para si. Ou seja, ser rico não era pecado. Trabalhar, adquirir, obter e crescer economicamente não era pecado. Planejar sua família com sua companheira não era pecado. Querer obter conhecimento também não era pecado.

   Ou seja, era como uma evolução do catolicismo opressor. De fato, realmente o era, no entanto, com o tempo, o casamento entre o protestantismo e a Coroa Inglesa gerou a perseguição de católicos na grã-bretanha do século XVII até os dias de hoje. Infelizmente, a corrente de pensamento distinto foi fato geradora de guerras e conflitos em nome de "Deus". O pior que pode acontecer a uma religião ou crença é ela se tornar elemento de manipulação política como meio de obter apoio das massas. E a Coroa Britânica soube utilizar-se da corrente contrária da fé para combater seus inimigos, seja por interesse econômico, comercial ou de dominação, seja qual fosse. A partir daí, a disseminação dos protestantes entre os anglo-saxões polarizou a forma de adorar a Deus no mundo ocidental, criando dissidências cada vez mais profundas no cristianismo. Agora, cada homem de fé poderia ser ministro de sua igreja, atraindo fiéis das mais distintas fés para seu rebanho.

   O protestantismo se perdeu a partir do momento onde a acumulação de capital tornou-se seu preceito mais forte, impondo aos seus fiéis um recato moral físico, mas um desejo quase que promiscuo em obter recursos para si, como se o monetário fosse algo importante na crença universal em Deus. De fato, não deveria ser. O materialismo imposto pelos protestantes ecoa até hoje nas mais diversas formas da religião em muitas partes do mundo. Oportunistas travestidos de ministros da fé obrigam seus crentes a doarem somas cada vez maiores de dinheiro para a causa religiosa. Vivemos num período onde a fé é comercial, e pode ser vendida em lotes de graças obtidas. A igreja evangélica virou uma empresa bem sucedida, e os Estados supostamente laicos que as abrigam são coniventes com certas praticas desrespeitosas ao ser humano de boa fé que só procura um caminho espiritual e a elucidação das mais urgentes questões humanas.

   De fato, preciso procurar Deus. Mas a pergunta persiste, por quais meios? Preciso de um sacerdote? Preciso de um ministro protestante? Um pai de santo? Um teólogo? Não sei. Deus, na minha mente limitada e limítrofe não é um ser, não é um homem. É uma força inexplicável que está onipresente em todo o ato humano, seja de bem ou não. Esta força produz nosso alimento físico e espiritual, ela rege as coisas mais necessárias neste planeta e universo. Esta força é imensurável, e a raça humana talvez seja a única a ter consciência do seu poder e ira. Somos seres capazes de mudarmos nosso ambiente, e tudo isso passa pelo poder de Deus, que faz a humanidade mover suas engrenagens a caminho de um futuro para sua espécie. Tudo que sei é que vivemos, morremos e a morte não encerra tudo. É motocontínua a noção de que somos recicláveis e tomamos da terra o alimento e devolvemos o mesmo a ela, sendo instrumento, assim como outras forma de vida menos inteligentes, de propagação da vida no planeta.

   Jesus Cristo, ao menos para os ocidentais, foi nosso homem mais especial. Não é a toa que suas palavras ecoam, mesmo que de forma torta, em alguns casos, por 2000 anos. E nos fazem crer que a humanidade pode sempre melhorar, prosperar e, por um momento, lembrar que seu semelhante deve ser amado e cuidado. Que devemos perdoar o próximo na mesma intensidade com a qual ele nos prejudicou. Que temos que ser humildes e entendermos nossas limitações como seres humanos, ao não nos acharmos tão especiais assim. Que não devemos oprimir nosso semelhante baseado em nada, e que nosso poder é somente dado pelos preceitos terrenos. Ao morrermos, seremos todos parte desta terra, e nossos títulos, moeda, metais...serão todos perdidos e tomados pela simples noção de que você vai embora, mas o mundo continua, apesar de tudo. Isso é crer em uma força superior. É crer que nada e ninguém é tão especial quanto esta força que nos criou e nos permite viver nossos pequenos prazeres terrenos por mais um dia.

   Não preciso procurar Deus, não. Eu, você e todos nós sabemos que ele está aqui. Basta que aceitemos a presença Dele. Não precisamos ouvir os homens e suas crenças tortas. Ouçamos a nós mesmos, e se estamos preparados para esquecermos nossas superficiliadades terrenas e aceitarmos que somos tudo e nada neste mundo.

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