sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O Reveillon E O Macumbeiro De Ocasião

Passaram as festas de fim de ano. Os excessos, as desavenças, as divídas, as desilusões, as dores...ficou tudo para trás. É muito comum vermos as pessoas prometendo novas atitudes, melhoras no aspecto pessoal, profissional e emocional. Tudo pode ser mudado a qualquer dia e momento da vida, mas a coisa fica sempre para o fim de ano. Típico do nosso comportamento mesmo. Ritos de passagem dão a tônica deste momento único do ano, onde todos se abraçam, dizem coisas positivas, até mesmo para estranhos. Engraçado, ficamos mais educados também. Aquele mesmo indivíduo que mandamos para o inferno por ter nos fechado no trânsito, se torna um amigo momentâneo. Alí, naquela faixa de areia, onde depositamos oferendas para as entidades africanas, nos vestimos de branco, como pais e mães de santo. Onde damos sete ou oito pulos em ondas para boa sorte, estouramos nossos espumantes baratos, estouramos nossos fogos de artifícios e, já disse que abraçamos todo mundo?

Chegou a hora da contestação. É muito comum sairmos por aí, e ouvirmos sempre coisas negativas sobre a "macumba". Dizem ser coisa do Diabo, que seus rituais são pagãos, que seus praticantes são semeadores do mal alheio e atrasados financeiramente. Engraçado. A coisa que mais prezo é ver uma pessoa que reconhece os rituais que pratica como algo benéfico em sua vida. Não importa o quão estúpido e repetitivo seja, o conhecimento das coisas que você considera de bom-senso para a sua vida devem ser respeitadas. Por outro lado, a grande maioria dos robóticos pseudo-macumbeiros que vão à praia estão pouco preocupados com o sincretismo por trás dos rituais afro-brasileiros praticados no Brasil afora durante o Reveillon. Fazem isso por puro modismo. Mas esperem, não eram estes que diziam horrores sobre a macumba e suas variações? Ora, se adorar uma religião africana é simbolo de atraso de vida, por que seria durante o Reveillon, por exemplo, jogar flores à Yemanjá, um ritual positivo? Ainda nesta linha de raciocínio, por que estas mesmas pessoas ouvem e louvam artistas baianos do mainstream que usam e abusam de termos afro-religiosos em suas "músicas"? Eles evocam entidades e termos somente utilizados em sessões e rituais da macumba em seus versos, mas quando são eles que cantam, a coisa se torna cool. É como aquele rapper que incita a violência e é adorado, mas quando um cidadão o faz é apontado como um pária. Isso se chama hipocrisia.

A questão é em si ridícula, e digna de escárnio. Raul Seixas dizia que preferia ser Metamorfose Ambulante do que ter opinião formada sobre tudo. Eu tenho opinião, e peço licença ao brilhante Raulzito, que por sinal era Baiano, para discordar neste ponto. Fazer as coisas por fazer é muito a cara desse país. É conhecimento comum que a superstição é a defesa do ignorante contra as coisas ruins que lhe acontece, e o mesmo não consegue explicar. Usar roupas brancas, pular suas ondas, pedir coisas à uma entidade e oferecer-lhe flores etc. Tudo isto faz parte de um medo imaginário de um cidadão já cansado de perder. Estamos num país perverso e violento, de pessoas mal educadas, mal nutridas, desvalorizadas e desiludidas. A esperança que as coisas vão melhorar é o que faz esta gente sair da cama de manhã, e é o combustível para que rituais como os apontados neste texto ganhem cada vez mais força. Até mesmo a elite já os praticam, mas por outros motivos. Eles os praticam para não ficarem demodé, porque usar branco é chique, passar Reveillon na praia é o que nos faz uma nação de gente alegre, mulata, que brinca quando não deve. A elite repete e venera os rituais dos pobres quando lhe convém, para ufanizar as coisas do "Brasil pra gringo ver", no Reveillon e no Carnaval, para no restante do ano fazer o que sempre fez por séculos: ser carregada por eles.

Queridos leitores, continuem usando branco no Reveillon, vão para as praias, joguem oferendas ao mar, pulem seus pulos. No mínimo vocês estarão livres de germes, aumentarão a quantidade de matéria orgânica nos mares e terão seus músculos das coxas mais fortes, pelo menos até o dia primeiro, pois vocês já terão novas resoluções. Aí tudo isso fica pra trás, e vocês voltam a ser as mesmas criaturinhas ridículas e julgadoras que vocês são: "Macumba é coisa de preto!", " Você me fechou, seu filho da puta", " Veio de branco hoje trabalhar? Parece até um macumbeiro!". Aí vem o carnaval e você se torna legal: "Ivete sangalo é tudo de bom", "Vou passar meu carnaval em Salvador, de Abadá e tudo!" "Eu sou filho de Ghandi que nem o Gilberto Gil". Por fim vem o Reveillon: "Que seu ano novo seja lindo e próspero!", "Que roupa branca linda, é de qual grife?", "Vou fazer uma oferenda à minha Santa no Candomblé que um baiano me disse num bloco de carnaval de Cláudia Leite. Sabia que sou filha de Yemanjá?...E tantas outras mais atrocidades que ouvimos por aí.

É por essas e outras que devemos evitar fazer algo só porque está na moda. Façam o que gostam, independentemente dos que os outros possam pensar. Vistam o que tiver vontade, não se rendam a superstições ridículas. Quem faz a sua vida é você, e as coisas que te acontecem são pura e simplesmente consequências dos seus atos. Desejar o bem ao próximo deve ser sempre, e não só no Reveillon, assim como as benesses que você venha a fazer por sí próprio, não precisam esperar até o fim de ano. Se você é macumbeiro, cumpra seus rituais. Se você não é, não passe pelo ridículo de fazê-los só por fazê-los, ou porque os outros os fazem. É ofensivo e imoral. Este país precisa de gente de personalidade, e não de macaquinhos amestrados que repetem as coisas por pura necessidade de aceitação, ou porque as acha legal.

3 comentários:

  1. Realmente o brasileiro é um povo muito hipócrita.
    Parabéns pelo texto,excelente

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  2. Luciano, concordo em partes com seu textos... de qualquer forma, apesar de tb achar patético que as resoluções de ano novo durem apenas alguns dias, acho importante direcionar seu pensamento para coisas positivas.

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