quarta-feira, 14 de julho de 2010

O Insone Adormeceu.

O controle remoto estava com as pilhas fracas, precisava de dois ou mais toques no seletor de canais para que houvesse mudanças. Meu whisky estava quente, o gelo há muito havia derretido, já houvera sido assim anteriormente. Era o mesmo filme, o enredo era igual. Era em preto e branco aquele romance estúpido da década de quarenta, aquela coisa pósguerra fabricada, sem muito efeito nos dias de hoje para essa geração marrenta e decompromissada. A minha poltrona estava quente demais, não achava uma posição ideal, e me deitei solenemente, fechando os olhos por um momento. Ali compenetrei-me nas distâncias intagíveis, nas realidades intocáveis...vou buscar mais gelo.

Aquilo não era só mais uma madrugada, era diferente. Estava tão silenciosa aquela noite, ouvia meu coração palpitar suavemente pela minha jugular no pescoço ao me deitar sobre o travesseiro gasto e duro da poltrona. Me encanta ouvir o corpo funcionar, a máquina divina perfeita é notável, seu mecanismo intrincado faria qualquer engenheiro surtar ao tentar reproduzi-la. Como grande hipócrita que sou, fui buscar mais um whisky, de modo a açoitar minha "máquina" e diminuir, quem sabe, os batimentos. Mudei o canal de novo, caí naquele mais popular. Me deparo com um homem de mais de cinquenta anos, falando como um menino de vinte, entretendo pessoas de dezoito. Ele fazia entrevistas vazias com pseudos ícones nacionais, talvez o meu estado de embriaguez elevado me tenha feito tolerar aquilo por uns vinte minutos. Cansei no exato momento em que ele disse: - Fala, garoto! Pensei: - Tchau, coroa!

O controle estava funcionando de novo, nunca entenderei de eletrônica, mas algo me diz que se você sopra uma pilha ela volta a funcionar. Deve ser superstição, sei lá. Bem, ele parou de novo, num programa Evangélico. Era só o que me faltava, mas vamos ver. Um homem, de terno e gravata, fechando os olhos e orando fervorosamente. Ele se dirige a mim como se eu fosse o único assistindo TV àquela hora. Talvez fosse. Nas palavras dele, o "inimigo" atrapalhava minha vida, me fazia ser um pervertido, me fazia beber, me fazia fumar, me fazia ter insônia...ora, por que ele não me matava logo? Ah, sim. Ele não tem poder para isso. Entretanto ele me pede para por um copo em cima da TV. Vocês acham que iria fazer isso em cima de uma finíssima e caríssima LCD? Olhei fixamente para o pastor e pensei: - Meu "inimigo" é você, meu prezado engravatado/pseudoreligioso/lavador de dinheiro. Meu mundo seria melhor se pessoas como você desparecessem!

Entre um gole ou outro de whisky, meu controle funcionava erraticamente, e eu parecia um louco zapeando de canal em canal, a procura de algo que não estava lá. Fechei meus olhos de novo. Uma imagem não se apagava da minha cabeça, algo que nem o álcool e nem os torpes programas de televisão ajudavam a apagar. Não era de se negar, eu estava em outro lugar, não estava alí. Aquela poltrona, aquele controle, aquele whisky...era tudo miragem. Olho ao meu redor e não vejo nada. Vejo um completo vazio, uma redoma repleta de objetos e coisas, sem nada quente e vívido. Nunca valorizei coisas, mas fui mestre em valorizar o que não se devia. Era isso, era a autocrítica. Precisava me autoflagelar naquele momento para entender que de nada me adiantava ficar pensando, divagando sobre questões fúteis na vida. Era momento de agir, de reconstruir aquilo que já tinha feito na base. Era o fim do meu auspício, do remorso, da choradeira juvenil e da tristeza de ter passado um ano desejando uma fraude. Já era hora de trazer de volta o homem, o ardil ser que teve culhão de revolucionar sua vida e voltar são e salvo pra contar as estórias. Lavei meu rosto insistentemente, molhei os cabelos, tomei um belo copo de leite e adormeci, nos braços de Orfeu (antes que alguém me chame de viado, vão olhar na Wikipédia).

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