segunda-feira, 26 de julho de 2010

Classismos e Tragédias

Nem toda a morte é trágica, nem toda tragédia tem morte em seu escopo. Sempre digo que basta estar vivo para morrer, e consequentemente a morte deve ser encarada como algo natural no decorrer da vida. Ainda temos muitos problemas em aceitar mortes prematuras, algo como um espelho que reflete o que seria de nossas vidas se tivéssemos morrido cedo demais. Nos ressentimos com a morte de estranhos pois não queremos isso para nós. Elegemos vilões, criamos teorias e somos manipulados infinamente rumo a revolta, justamente quando deveríamos, de fato, refletir.

A mídia está consternada com a morte de um menino de dezoito anos, filho de uma atriz famosa. Provavelmente devia ser um menino cheio de vida, com aspirações, saúde etc. Como pai, analiso e me consterno junto à mãe neste momento horroroso. Investimos tudo num filho, assistimos seu crescimento, renegamos parte de nossas vidas em prol da dele, e vemos nossa imagem naquele projeto de ser humano, o que nos dá ainda mais força para seguir. Perder esta vida é definitivamente perder parte da nossa, em que pese ainda respirarmos e continuarmos vivendo fisicamente, psicologicamente nos tornamos zumbis. Em tese, foi mais um adolescente para as estatísticas de mortes em vias públicas deste país, mas não é o que a mídia quer fazer parecer. Existe uma pressão para a distribuição de culpas e prisões sem que haja julgamento prévio daqueles que foram misteres na morte no rapaz. Teria sido mesmo uma tragédia? Ou uma consequencia natural de se praticar esportes radicais em vias públicas? Fico com a segunda opção.

Não posso crer que no meio de tudo isto a imprensa esqueça que, apesar das restrições de trânsito no local àquela hora, não se poderia, em hipótese alguma, praticar o skate por alí. É um túnel sem áreas de escape, mal iluminado, e em descida. O que ocorreu foi um acidente, não foi um assassinato, não foi doloso, foi a comprovação do risco que se corre ao se desafiar o perigo, assim como um paraquedista, um alpinista ou um piloto de fórmula um sofrem. Quero, portanto, desmistificar o papel da mídia no noticiamento de um acidente, e de como a mesma tende a julgar, sem se preocupar com a imparcialidade dos fatos.

É fato que dias antes da morte deste rapaz, um outro menino, mais novo, de nove anos,havia sido morto numa escola pública carioca por meio de uma bala perdida disparada por policiais em conflito com traficantes. Este menino era filho da camada mais pobre da sociedade, possivelmente iria enriquecer o ciclo da pobreza que assola este país, onde a mobilidade social é coisa para inglês ver. Nasceu pobre, e morreu pobre. Este menino e sua morte estúpida não teve nem dois dias de cobertura e apuração dos fatos pela imprensa. Quando um pobre morre, deixem que a polícia cuide. O filho da atriz era um membro da elite carioca, morava num bairro nobre. O menino favelado não estava numa aventura perigosa numa madrugada "zoando" com a galera. Estava numa escola, estudando, lutando para sair daquela vida difícil, com recursos escassos. Está aí a minha definição de fatalidade, de tragédia. Um alvejar de projétil numa sala de aula de uma escola numa favela num menino em plena atividade escolar, sendo que ninguém reconhece, ou quer reconhecer o autor do disparo.

Ora, mas a quem a imprensa deu mais cobertura? Obviamente para o menino pródigo da classe mais abastada. Eles fazem dossiês, buscam provas, câmeras, documentos, testemunhas...pasmem a imprensa está fazendo o papel da promotoria neste caso! Quanto ao menino da favela, deixem a justiça se encarregar, é o que dizem. São dois pesos e duas medidas. Eram duas vidas importantes, duas jóias que estavam separadas somente por suas classes sociais. Infelizmente a sociedade não os vê como semelhantes, não é preparada para ter opinião, é manipulada. Ninguém quer discernir a tragédia do acidente, o bandido do contraventor, o culpado do criminoso. Somente diferem o rico do pobre, o preto do branco. Somos obtusos demais, refletimos pouco. Que ambos descansem em paz!

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