domingo, 8 de fevereiro de 2015

Lamentos da Carne, da Minha Carne.

Das dores de ser um homem já provei tantas quantas a vida me permitiu, e delas compreendi que se aperfeiçoar é a unica vantagem de ter passado por aqui por um curto período de tempo, nesta terra injusta, de prazeres vãos e sofrimentos perenes. As experiencias te fazem passar ao largo dos momentos ruins e restringem seus desejos aos mais seguros e plenamente possíveis de serem realizados.

Que paliativo mais gostoso para uma vida de sofrimento temos senão a doce experiencia da paternidade? Da superficialidade dos meus atos a vida me propôs uma simples, mas desafiadora missão: a de criar duas doçuras em forma de ser humano. Presente máximo que de puro deleite não espero nenhum retorno, muito embora gratificante seja sentir o amor irradiado por dois pares de olhinhos ávidos pelo meu simples abraço, meu simples ensejo ou desvio de uma atenção em algo desimportante, para que possa olhar seus olhares desejosos do mais puro amor, que não tem interesse, não tem nome, não tem fronteira. O que eles querem é tão pouco comparado a este mundo de ilusões breves, que sentimos sempre estar em débito com eles.

Quando nasceram foram eles no brilho dos meus olhos que minha alma refletiu, cada um a seu momento, e com importância unica pontual. Ao me recostar num estado de reflexão ainda sinto presente em meus dedos o cheiro infindável da bendita Hipoglós que nos salvou das assaduras tão comuns na pátria ardente que eles nasceram. Dos choros da madrugada sem fim, das idas ao pediatra, das noites ainda por descontar o sono, dos cochilos no sofá com seus corpos mínimos em meu tórax largo e disforme, guardo a mais terna lembrança de dias melhores, dias piores. A paternidade me moldou, ainda que pela ingratidão de outra, um homem menos irascível, menos revoltado e mais sensível. O toque leve de suas pelezinhas rosadas em minhas mãos brutas eram o grande acalmador da minha alma inconstante, e me fazia tecer lágrimas de pura incredulidade em tal milagre que eles me proporcionaram. Ah, como me fazem falta...

Das fraldas sujinhas o cheiro não me abandona a memoria olfativa, e os bracinhos delgados a me pedirem eterno colo, somente para que pudessem descansar as perninhas, ainda que tivessem de aguentar o suor azedo de minha face. Pidões e inocentes, eles me cuidavam, me tratavam, me deixavam a par das minhas próprias limitações, que não são poucas. Dos dias divertidos ao lado deles minha mente flutua em desejos intensos de repetir sempre aquilo que não posso mais ter no meu cotidiano duro, e busco na lembrança gostosa o alento destes pequenos milagres a quem devo muito, mas pouco posso fazer para alenta-los dum querer eterno.

A vida me fez seguir caminho distinto d´eles, mas que eles um dia possam ler esta declaração ofegante como um testemunho de que seu pai tentou, e mesmo quando estiver em meu leito de morte, quando bem ela desejar vir, que possa deixa-los com uma sensação de que nas minhas melhores memorias eles estarão sempre. Que do outro lado desta vida, eu vos guardarei, em seus sonos infantis e inocentes de hoje, ou em suas agruras adultas do amanhã, eu estarei, em vida ou não, restando meu braço firme abaixo de suas cabeças, num onírico desejo de ainda te-los em meu colo, como quando o fiz em suas infâncias, em minha juventude passada. Onde quer que eles estejam, meu coração ainda os guarda, secretamente choroso, mas orgulhoso das duas coisas mais lindas que a vida me presenteou. Que eu não vá embora agora, e possa sentir o ralar da tua barba num beijo seu, meu filho! Que eu possa sentir o cuidado da tua alma feminina com seu velho pai, minha filha.

Pensando bem, ando com muitas saudades do cheiro de Hipoglós. Foi especial, é especial e ainda será especial em minhas narinas.

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