terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Mansplaining

Feminismo é doença?

Com esta frase provocativa e destituída de razão é que inicio este texto.

Houve um tempo em que ser mulher, era acima de tudo, um porre. Cabia a famigerada fêmea nascer com obrigações desde a mais tenra idade, e zero direitos, a não ser o de viver, simplesmente. Com sua idade, mais responsabilidades eram despejadas em suas delicadas costas, como cuidar de irmãos menores, cozinhar, manter a casa limpa, roupas limpas e, acima de tudo, faze-los com satisfação. A sociedade cristã colocava sobre as mulheres os grilhões que as prendiam num circulo vicioso sem fim de agradar homens, cuidar de filhos e nunca, nunca questionar nada.

Tudo isto era um resultado da ignorância, da perfídia básica, propalada especialmente pelo cristianismo, que a mulher é o alicerce de tudo. De fato, dela se origina tudo, e dela se espera tudo. Faz até um sentido lógico, mante-la como o bastião de um microcosmo residencial, onde nosso líder masculino sai a "caça", e sua fêmea cuida da prole e da sanidade do lar. Assim como o homem sofre os auspícios de poder ser morto na busca pelo sustento, a mulher aos poucos enlouquecia com seu mundo ficando cada dia mais restrito, sem ter sequer a chance de mudar sua vida, enriquecer seu conhecimento ou até existir fora de um plano familiar.

Sem citar países islâmicos, podemos chegar a conclusão que, no cristianismo ocidental, a mulher basicamente até o século XX viveu como uma serva, e seu papel como cidadã era restrito a sair na rua para unica e exclusivamente manutenção do lar e cumprir suas obrigações religiosas. Quando tudo isto muda, e por quê? Esta é a grande questão, uma vez que neste milênio de conquistas e antagonismos, o papel da mulher parece mais distante da sua cruel origem, encostando quase que surpreendentemente no papel do homem, ou melhor, no papel exigido a ele na sociedade moderna.

O sufragismo foi só inicio, mas marcou para sempre o papel da mulher como ente político, acima de um ser social, e durante as grandes guerras o papel importante delas na construção do arsenal dos países envolvidos foi preponderante para que os aliados pudessem derrotar o nazismo. Desde Madame Curie, o mundo passa a ver ícones femininos que não mais são somente enfermeiras ou meras sex symbols do incipiente cinema. São mulheres que pegaram em armas para defender suas nações, juntaram-se a resistências, tornaram-se as locomotivas de um papel antes nunca pensado para elas, que outrora se preocupavam em quão apertadas suas cintas ligas poderiam ficar antes que desmaiassem em suas chaises.

Os tempos de paz trouxeram a internalização da mulher ao seu lar novamente, e um pensamento borbulhante que crescia entre os acadêmicos da época era o porquê de não temos mulheres aderindo a força de trabalho, dividindo as despesas do lar, quando casadas, é claro. Mas e se elas não quiserem casar? E se não quiserem ter filhos? E sem nem tiverem atração por homens? De fato, se todos estes quesitos são imagináveis, mas elas continuariam sendo mulheres, nossas mulheres? Tal pensamento entra em ebulição durante o período em que a pilula é concebida, e modifica a vida de mulheres ao redor do mundo. O sexo como reprodução está morrendo, e antes somente aos homens era dado o direito de fazer sexo por prazer. A sociedade evoluiu mais no século XX do que em qualquer século, mas ficou reticente demais ao ver estas mulheres pedindo direitos e querendo parte das pressões desta vida em sociedade, antes somente acoçadas aos homens.

Acho que daí em diante, podemos realmente pensar no feminismo como um elemento de luta política, onde a coisa deixa de ser um pedido para se tornar uma reivindicação. Pensando de forma fria, mas caótica, onde estas mulheres pretendiam chegar? Filosoficamente, a religião nos disse algo, que aos poucos, fomos ignorando em troca da televisão e da internet. Do nada, nossos lideres espirituais foram sendo substituidos por professores de faculdade, apresentadores de TV e, no mundo moderno, por figuras do entretenimento que, nos dizem o que fazer, o que pensar, o que comer e até como devemos nos vestir. A evolução dos meios de comunicação transformam o feminismo em algo popular, não mais somente restrito a mulheres do meio acadêmico e dentro de seus redutos políticos. Falando em política, é clara a aproximação do feminismo recente com os preceitos de esquerda, o que torna a coisa toda muito mais aproximada do aspecto revolucionário, do que da conscientização e educação em si, que é o objeto principal deste texto.

Durante a transição do século para o atual, o papel do homem tem ficado cada dia mais confuso. É claríssimo que as pressões sobre eles são as mesmas do passado: nascer, não chorar, ser rico, poderoso, ter um puta emprego e morrer deixando um legado. Nem 10% da população mundial, seja qual for o gênero, conseguirá isto. Mas a pressão persiste. Este homem moderno quer estar antenado com as necessidades desta nova mulher em formação, mas muitos querem manter seu status de "predador", macho-alfa, por assim dizer. Não querem ser "desconstruídos" - termo este moderno que designa um questionamento sobre algo ou alguma coisa que nos incomoda-. O homem moderno é um magnífico ponto de interrogação.

Com a evolução do feminismo, como dito acima, os preceitos e reivindicações também mudaram. Os países com leis mais modernas, como o Brasil, igualaram e, até tornaram desiguais, alguns aspectos dos gêneros em seus preceitos básicos. Tal alcance da lei permite que mulheres em posição de isolamento, desrespeito, violência e até em clara ameaça de tais atos, possam ter justiça de forma que nunca conseguiam antes. No âmbito profissional, as leis trabalhistas refutam quaisquer preconceitos e diferenças que venham a diminuir o papel da mulher em seu ambiente de trabalho. Leis contra assedio sexual, estupros, insultos etc...todas elas trabalham em prol de uma sociedade mais justa. Mas e então, o que mais o movimento pode alcançar? O que mais pode ser visto como derrogatório ao papel da mulher na sociedade? Quanto a questão do Estado-Nação em si, muito pouco coisa pode ser feito, uma vez que a conduta do cidadão é regida por leis e costumes, porém a sua liberdade individual jamais pode ser atacada, a não ser que fira a do outro ser humano. No âmbito educacional, no entanto, muito pode ser feito, já que como dito acima, a religião não é mais o pendão educativo da sociedade moderna, e sim seu desenvolvimento acadêmico.

O feminismo está morto? De certa forma sim, pois em suma o movimento queria chamar a atenção para o papel diminuto da mulher na sociedade e em mais de cem anos, este papel foi alterado, ainda que houvesse resistência de muitos. Há claramente um processo evolutivo em toda esta questão, e as mulheres de hoje, são mais livres que as mulheres de ontem, num processo continuo que perdura a revelia do atraso de alguns. Porém, na cabeça de um grupo grande, não há razão para tal. Existe uma linha de pensamento moderna que não deixa a sociedade se transformar mediante os avanços já feitos. Mulheres, e alguns homens, alinhados com agendas políticas pseudo-revolucionárias, que atendem seus interesses tortos, procuram rever todos os preceitos feministas de igualdade, não somente equilibrando os papéis na sociedade, mas invertendo-os na história. A premissa básica desta visão política é que devemos reparar os oprimidos do passado, e isso deve ser feito pela "maioria" dominante. Na cabeça deles, homens de origem branca, heterossexuais e bem-nascidos devem se calar mediante uma "insurreição" de mulheres, negros, homossexuais e transgêneros em geral.

Esmiuçando tal movimento, vemos claramente sua inclinação aos preceitos socialistas europeus, que tomaram de assalto as universidades norte-americanas nos últimos anos, e chegaram ao Brasil por meio de moças de classe média/alta e acadêmicos de inclinação à esquerda. Celebridades em geral, formadores de opinião, especialmente jovens e belas mulheres, também abraçaram esta causa. A esquerda tem como padrão desconstruir padrões, o que é ilógico, mas combina com seus aspecto mais importante; a revolução. Seu modus operandi político quase sempre é a sabotagem, partindo para as mudanças forçadas em sociedade, corroendo o conservadorismo que é a zona de conforto das pessoas quando algo tende a mudar. Ou seja, as mulheres que propõem esse novo feminismo, que vira a mesa e tenta desconstruir o individualismo masculino são, acima de tudo, mulheres que sempre tiveram oportunidades iguais, e nunca foram submetidas aos auspícios das do passado. Elas querem reconhecimento de quem lutou nas "trincheiras" da vida contra o patriarcalismo, mas não querem o debate sobre a necessidade de sua luta. Quando as mesmas são chamadas a discussão, gritam, se descabelam e apelam para termos presunçosos como "mansplaining". Tal termo, de origem inglesa, combate a tese que homens podem falar sobre feminismo. Ou seja, o termo em si indica desigualdade, pois propõe a incapacidade de um homem opinar. Seria misandria? Muitos dos homens são atacados em redes sociais quando decidem dar suas opiniões, e designados como "machos escrotos". Elas criaram uma linguagem própria, onde descrevem pessoas como sem gênero, ofendem mulheres que escolheram casar e ter filhos. Onde estará a tal liberdade de escolha da mulher?

Enfim, ofender os homens, regrar o pensamento feminino, tentar encaixar a mulher num modelo de sociedade idealizado por um movimento pseudo-político...seria isso feminismo? Não dá pra pensar desta forma, sem projetar a luta de tantas mulheres para poderem exercer suas funções como cidadãs, e como tudo isso moldou a sociedade em que vivemos hoje. Se estas moças, jovens e bonitas, preferem "romper padrões" e relegar a mulher a ser um mero indivíduo agressivo, regrador, destituídos de compreensão e, acima de tudo, sem capacidade de debater seus questionamentos, penso que isso não é uma evolução. Muito pelo contrário. Educar nossos homens para que eles entendam que nossas mulheres tem a liberdade de decidir seus futuros é muito mais importante que minar suas masculinidades e destruir seus egos. Tudo passa pela humanização das idéias, da ampla discussão e, acima de tudo, do desligamento do elemento político (oportunista) da questão. Acima de tudo, é uma questão de democracia, e o tal mansplaining é extremamente necessário, assim como womansplaining, transplaining e todos os outros que queiram usar a discussão como elemento de depuração da sociedade.

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