terça-feira, 22 de março de 2016

O Brasil e A Síndrome de Travis Bickle

Travis Bickle, magistralmente interpretado por Robert de Niro no filme "Taxi Driver", de 1976, dirigido por Martin Scorcese, é o clássico inconformado. Quem viu o filme (para mim, a maior obra de arte que o cinema já produziu), pode muito bem assimilar a faceta moralista, mas falsa heroica, de Travis, que nos remete ao nosso lado mais profundo e insano: nosso lado justiceiro.

Profundo e insano porque clamamos ao justiceiro quando a justiça nos falta. Queremos resolver com as próprias mãos quando as autoridades nos falham proteger. Justificamos os meios com atos heroicos, esquecendo nossas próprias falhas e refletindo-as no próximo, sentindo-nos absolvidos. Travis sofria deste mal. Como ex-fuzileiro naval americano, locado no Vietnã, Travis volta com sérios problemas psicológicos, submergindo numa maré de ódio e amor pela sociedade, buscando meios de evitar enfrentar os males da sociedade moderna, com o cinismo latente que enfrentamos normalmente. Não, para Travis nada passava em branco. Desde um cafetão de adolescentes monstruoso, a um político clichê, fanfarrão e populista, nada era cinicamente ignorado por sua espada de justiça própria.

Seus conceitos tortos de retidão moral o afligiam, e de certa forma, coordenavam seus atos impensados. Não saberia dizer ao certo em qual ponto do filme ele perde os sentidos do certo e errado, mas creio que ao comprar armas ilegais, de calibre absurdo, o mesmo assina seu tratado de loucura. Ao assistir Taxi Driver pela "nonagésima" vez, me vejo fazendo um paralelo estranho. Estaria o brasileiro moderno encarnando seu Travis Bickle moral?

Desde a disseminação de programas policiais, apresentados pelos mesmos arautos da moralidade de sempre, até os políticos que clamam às famílias como salvação da perdição humana, passando pelos evangélicos bitolados que proferem sempre as mesmas palavras de ordem, o cenário brasileiro é caótico e faminto por autoritarismo. Creio que o descaso governamental com as questões sociais mais latentes do país nestes ultimos quarenta anos criou uma infestação de banditismo crônico na sociedade. Vivemos tempos complicados, dignos de guerra civil, com mortes decorrentes da violência em crimes cada dia mais graves, violência policial, doméstica etc... . Pessoas inocentes morrem diariamente de forma cruel, crianças são violentadas e mortas, pessoas surtam no trânsito, mulheres sofrem estupros e violência sexual...o país é um poço de estatísticas repletas de sangue.

Não bastasse a violência, estamos cercados de imoralidade. A babilônia brasileira tem safadeza para todos os gostos. Somos sexualmente criteriosos, os brasileiros, mas adoramos expor sensualidade nos meios de comunicação populares, nas expressões artisticas e nas esquinas da vida. O brasileiro é um ávido consumidor do tesão in the box, até como um meio de se livrar de suas amarras cristãs, fruto do paradigma católico latino americano, repleto de hipocrisias de castidade falsa. Há mais imoralidade nas relações institucionais, politicas ou não, com uma corruptocracia da qual o pais não consegue se livrar. Nada mais natural, num país onde o jeitinho sempre foi a forma inerente do brasileiro agir nas situações de maior dificuldade. Conhecimento e educação nunca foram a forma propagada de crescimento desta sociedade. Gerson sempre venceu, e ainda vencerá por muito tempo.

Por fim, num cenário carnavalesco como este, temos a justiça brasileira, que vive assoberbada de processos, com leis estapafúrdias, dúbias, que tornam qualquer questão jurídica uma caminhada tortuosa, com ações, e mais ações, impugnações, instrumentos legais diversos, perfeitos para que um contraventor e criminoso consigam se livrar da punição, se tiver um bom advogado.

O momento atual da nação é delicado. Palavras de ordem são cantadas, e vejo o brasileiro comum querendo a cabeça de alguém, só não sabe de quem, para saciar suas falhas mais tangíveis. A sindrome de Travis Bickle assombra esta maioria esmagadora do país, que deseja sangue de políticos, de bandidos, do padeiro da esquina que vende pão caro, da agencia de turismo que aumentou as passagens, do babaca que nos fechou no transito ou do motoboy que nos deu o dedo médio. Quem viu o filme, sabe como isto termina. O justiceiro quase sempre comete a injustiça. A paz de sua mente é dispor dos conceitos de justiça para benefício próprio, no que ele entende ser de todos. Queremos tudo, neste momento. Não sabemos bem o quê. É impeachment, prisões, delações, mortes etc...estamos cegos de ódio.

Não sejamos Travis. Sabemos que a justiça será rápida para os atuais anseios da nação, especialmente os políticos. Não é possível pedir justiça sem antes olharmos para nós mesmos, e percebemos que eles são um reflexo nosso. Somos errados em essência, somos parte de um país de pessoas pobres, parcamente educadas, que vivem para o dia seguinte, tão somente. O justicialismo só deflagra o ódio, e dele vemos que a humanidade está repleta. No fim, todos querem ver Travis Bickle como um herói, um homem comum, que ousou se impor, como ele mesmo disse. Não se esqueçam que , no filme, ele também diz: "Todos os animais saem a noite: prostituas, vadias, viados, transsexuais, drogados, alcoólatras, cafetões,traficantes. Um dia virá uma chuva, e varrerá toda esta escória do mundo!". Intolerância e delírios de limpeza social...pensemos bem antes de deflagrarmos o Travis Bickle interno. Pensem que antes de qualquer julgamento, resta o nosso próprio. Sociopatia não é querer o bem do país. É doença, e toda a sociedade brasileira está doente.




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