terça-feira, 20 de setembro de 2016

Factóide Erótico

Por quê somos amaldiçoados com o fantasma da timidez?

Lana estudava artes cênicas, de dia, e de noite trabalhava como cortesã, num inferninho qualquer desta cidade vasta e despida de vida. Mal sabia eu que um dia minha alma seria destruída pela sua figura imaculada e tórrida...

Eram seis horas da tarde, e eu estava voltando para a minha imatura solidão quando encontro Geneci. Aquele merda...me devia uns dois mil reais por um empréstimo que sabia que seria a fundo perdido. Mas a solidão custava caro, e um mero empréstimo não iria pagar o auspício de ir para casa sem ao menos tomar um trago com uma alma conhecida. Convidei aquele filho da puta para irmos ao boteco mais próximo, tomar um limão com cana e algumas cervejas. Fazia cu doce, o caloteiro, mas quando disse que eu pagaria topou no ato. Quantas merdas fazemos só para não enfrentarmos a solidão, não? Olhando para este cara, 1,75 metros e 100 kgs de puro esterco empilhado, de careca brilhante em forma de ferradura, sovaqueira crônica, olhos vidrados e com veias vermelhas e bigode cheio de nicotina de cigarros de outrora, sinto um desejo imenso de mata-lo. Pensei comigo mesmo: "por quê simplesmente não levanto desta mesa, e cravo uma faca em seu olho esquerdo. Nada me impediria." Mas a razão é mais forte, e mais uma enxurrada de ladainhas continuam a sair daquela boca de vala enquanto mal seguro um rosto de pouco interesse.

Lá pelas 11 da noite despeço-me de Geneci e uma ideia constante me bate no ziper da calça, e não é vontade de urinar. Sofro de timidez crônica, e toda a vez que presencio a aparição de uma bela mulher, eu travo como a estar diante de um monstro a me devorar. Gaguejo, tremo, olho para o lado....qualquer subterfúgio é saída para aquela situação. Quase sempre abrevio a conversa, inventando um compromisso mentiroso, de forma a me afastar daquilo. Evito sempre olhar, encarar, tenho pensamentos suicidas para me punir, que duram tanto quanto um piscar de olhos. Miro nelas, e vejo seus lábios se mexendo, respiro profundamente para sentir seus odores e me calo diante da mítica beleza feminina. Por isso vivo só, e evito qualquer contato com mulher alguma. Infelizmente, o desejo fala mais alto e dirigindo pela cidade, olho pela janela do carro a cada semaforo e encaro com o canto dos olhos alguma femea da especie a desfilar pelas calçadas. Normalmente me contento somente em olhar, e vou pra casa me satisfazer sozinho.

Entretanto, algo naquela noite me arrastou. Não sei se foi o neon vermelho e azul ou o aspecto secreto da porta, mas encostei e fui até aquele pulgueiro. Na entrada, sentado a minha frente, um homem negro, 2,10 metros, e cara de quem não come há uma semana, me encarou e me deu boas vindas, com um sorriso de escárnio. Senti que essa rara e quente recepção era a premissa de que sairia de lá duro e fodido. Nunca fui bem-vindo a lugar algum, nem na casa de parentes. Não só não vou foder ninguém, como vou me foder ao entrar. Às vezes me pergunto o porquê de um bovino entrar passivamente no matadouro. Será que o animal não tem nem a minima ideia que vai se dar mal, ao percorrer aqueles corredores mórbidos e asquerosos? Será que não sente o cheiro dos seus mortos? Matadouros fedem a morte velha, um putrido odor ferroso de sangue velho com carcaças apodrecidas. O bovino e o humano não são tão diferentes assim, pois afinal de contas, senti-me como um deles ao percorrer aquele corredor longo e acarpetado, com cheiro de mofo. Fui adiante. Afinal, somos mamiferos e isso já é parentesco o suficiente.

Ao adentrar o salão principal, uma música me invadiu os ouvidos, era o atual caipira show business, com aquelas duplas que capricham nos gritos, como se ainda trabalhassem na lavoura. Caipiras filhos de uma puta, agora inundam os ouvidos metropolitanos com suas notas e suas calças agarradas....enfim, sentei numa mesinha apertada, de canto, o canto mais escuro, e esperei o garçom mais próximo. Ele me olhou na cara, à distância, e de forma sarcástica já foi me avisando que não aceitam cartão de crédito e nem vale-refeição. Desgraçado trabalha como garçom de zona e ainda quer me tirar de pobre, por isso pedi ao imbecil que me servisse algo que porra de casa noturna nenhuma tem: um brandy, só pra mostrar pra este merda que eu tenho estilo.Disse ainda com sotaque britânico, para tornar a coisa ainda mais depreciativa.

"Olha moço, não sei se tem, vou checar no bar. Percebi que o Sr sabe o que é bom, por isso vou te dar uma dica: tem uma menina que trabalha aqui que é uma loucura. Se chama Lana. Se quiser, posso traze-la aqui na sua mesa"

Olhei fixamente em seus olhos negros e em pensamento mandei-o tomar no cu. No entanto, como sou eu, como eu sou...disse que tudo bem.

"Moço, não tem breidi não. O sr vai ter que pedir outra coisa, quer o cardápio?"

Deixei ele por aquela merda na mesa e fui pelo caminho mais fácil: "Me dá um Whisky. Mas importado, falou?" Mentira, só pedi o whisky. Sabia que era batizado, mesmo eu pedindo importado, iria tomar mijo mesmo. Tomei umas duas doses, depois pedi uma cerveja. Daquele ponto em diante, o sertanejo já era passado, e eles estavam colocando algo como funk carioca. Neste momento, ocorre um anúncio:

"Senhores, com vocês, direto dos bailes, a sensação da casa, Srta Lana di Capri, a musa varonil, direto dos pampas gaúchos, com sua dança dos bondes cariocas!"

O local entrou num fervor unico. Engravatados, porteiros, office-boys e motoboys entram numa sincope de gritos, assobios e urros, enquanto a fumaça falsa inunda o palco central. Cinico, pensei num Moulin Rouge decadente, de prostituas fétidas e sifilíticas, em algum ponto da história, sendo repetido aqui.Qual puta caquética haverá de surgir dali.Vislumbrei a entrada dela, vibrante e notoria. Não pude crer no que meus olhos viam. Era Michelangelo, Da Vinci e Botero. Curvas do caralho, cabelos loucos, longos e claros, olhos desenhados, olhos de um verde musgo vibrante e os lábios eram delicados, mas ainda ávidos, protuberantes. Entrei em curto circuito, enquanto ela dançava freneticamente ao som daquele abominável ritmo, que só serve de lubrificante para atos sexuais. Não é que o viado estava certo? Que mulher...

Meu instinto patriarcal pensou em protege-la, salva-la e lhe dar abrigo. Já o instinto sexual pedia para que eu a possuisse, que lhe tomasse as carnes, lhe sorvesse seus fluidos, lhe penetrasse incessantemente e me afogasse em seus seios. Meu instinto de sobrevivencia olhava para a carteira e se assentava na dura realidade de um trabalhador. Sempre fiz isso, sempre achei que era um reles merda, e que não merecia mulher alguma. Mas ela...ela me dava uma sensação de paz, de fluidez moral e de que o mundo produz coisas boas. O coração acelerou e entrei numa ansiedade sudorenta. Chamei o merda do garçom.

"Oh amizade, essa é a tal Lana? Quanto morre ali, em reais?"

"Não sei, tem caras aqui que dariam o rabo por uma noite com ela, mas pra você não deve sair por menos de mil"

Instintos a parte, mil reais é dinheiro pra caralho. Nada comparado aos dois mil que aquele bosta do Geneci me filou, mas ainda é bastante dinheiro. E se ela me engrupir? E se for tudo uma armação desta casa pra tirar  mais dinheiro de otários miseráveis como eu? Fiquei pensando se iria travar com ela, ou melhor, brochar mesmo. Instintos a parte, olhei calado pra cara daquele cafetão servente de chopp e pedi que a trouxesse após o show. Certamente este dejeto iria extorquir a moça pela indicação, mas ela que se vire com ele.

Meia hora depois de rebolados, musica ruim e muitos gritos masculinos e ela veio, sentou-se em minha mesa, cruzou as pernas e ficou me olhando. Após alguns desconfortáveis segundos, ela quebra o gelo e me pergunta se queria ve-la. Eu fui tácito, firmei a fala, pigarreei e disse:

"Quer alguma coisa? Cerveja?"

"Eu que te pergunto, ele me disse que você estava interessado. Não bebo, e estou aqui pra gente discutir o programa, meu amor" disse ela.

Aquilo foi um chute no peito. Perdi o ar, e comecei a olhar pro lado, uma característica de quando sei que vou travar, gaguejar e colocar meu rabo entre as pernas. Pedi a ela que me desse os detalhes do programa, valores etc. Assim saberia que ela iria falar bastante, me deixando respirar um pouco.

"Então, aqui em cima tem uns quartos, o periodo é de 45 minutos, mil reais, camisinha sempre, luz fraca e celular desligado. Se eu ver você tirando fotos ou filmando chamo o negão lá embaixo pra te dar um jeito. Você vai gostar, meu amor"

Naquele momento, todo aquele frisson se transformou em desprezo. Eu desprezava aquela mulher, sua fala ríspida, o ato de me chamar de "meu amor". Tudo me enojava, mas eu estava com muito tesão, e concordei com o proposto por ela, desde que pudéssemos ir a um motel. Ela discordou totalmente, e disse que isto estava fora de questão, uma vez que ela não deixaria a proteção da casa. Eu me calei, mas ela surpreendentemente acabou concordando, dizendo me considerar inofensivo.Aquilo foi duro, mas concordei, naturalmente. Ela me disse para que esperasse ela, as duas da manhã, na esquina, que ela viria até mim. Concordei e paguei a conta, indo direto para o meu carro, encostando na esquina mais próxima. Faltavam somente uns 40 minutos pras duas, e fiquei pensando naquele "inofensivo". O que ela quis dizer com aquilo? Seria um deboche, uma forma de me diminuir? Estaria ela rindo da minha timidez? Eu devia tratar esta merda, só me causa inconvenientes. Me disseram que os médicos tem uma droga nova...sei lá. Minhas mãos suavam, a hora não passava.

Eis que pela esquina, ouço o cloc cloc de saltos andando em velocidade. Abro os vidros, e a chamo. Ela me vê e entra no carro, já mal-humorada.

"Nem sei porque concordei com isso. Acho que não quero voltar pra casa, sei lá. Aonde vamos?"

"Não sei, acho que tem um motel a algumas quadras"

"Olha só, meu amor, eu cobro antecipadamente. Se você não tiver o dinheiro, me deixa ali naquele ponto, porque não confio em homem."

"Sei, mil reais né?"

"Não, mil reais é o preço da casa. Eles ficam com 70%. Eu cobro 300. Mas são adiantados".

"Tudo bem, eu tenho aqui na carteira".

Paguei, ela embolsou o dinheiro, e eu, liso, me dirigi ao motel. Entramos e ela disse que precisava de um banho. Meu coração não parava, uma mulher daquelas, num quarto de motel comigo, como faço? Tasco-lhe um beijo? Ela é grossa, talvez vá me tratar mal, não sei se posso lidar com essa rejeição. Ela fica me chamando de "meu amor"já estou de saco cheio disso, me sinto um idiota. E ainda paguei para isso! O banho é longo, e eis que surge aquele monumento, nua em pelo, com os cabelos semi-umidos, longe daquele semblante de dançarina hiper maquiada, ela estava ao natural, no auge da sua origem européia, pedigree dessa gente do sul. Ela me pediu que me despisse, e fosse tomar um banho. Eu fui, mas vestido.

Alguns minutos depois saio do banho e lá está ela, deitada de lado, passando os dedinhos pelo seu smartphone de ultima geração, bocejando solenemente, entediada e louca pra que aquilo acabasse logo. Deitei ao seu lado, tirei a toalha rapidamente e num rompante, respirei fundo, passando as mãos levemente em seus seios. Ela gemeu. Veja só, a puta de concreto sente algo! Ela veio para cima e me abocanhou o orgão, mas não sei porque, não tinha reação. Aonde estava meu tesão? O que ocorre? Quanto mais eu me questiono, mais meu coração dispara, mais eu me retraio e mais eu não esboço reação. Surpresa, ela quer saber o porquê daquilo, e eu simplesmente não sei explicar.

"O que foi, não tá gostando?"

"Não sei, hoje foi um dia duro, e ainda tomei todos aqueles drinks...sabe como é?"

"Não, não sei. Olha, meu amor, o tempo tá correndo, se não quiser é só falar, ponho minha roupa e você me deixa num ponto de taxi qualquer."

Me senti despedaçado, humilhado, rebaixado e fiquei calado, inerte, deitado olhando para o teto de espelhos. Observava com o canto dos olhos ela já se movimentando para por a roupa, murmurando pequenos insultos em gauchês. Olhei para o meu cinto, pendurado na cadeira e enquanto ela continuava a insultar, falou:

"To pronta, meu amor. Deste mato não sai coelho, e eu tenho que ir. Uma pena que você já pagou, porque não aceito devoluções", e riu solenemente.

Ao ve-la virar de costas, vim por trás e passei meu cinto ao redor de sua garganta. Ela deu um grito abafado. Levantei-a do chão, fechei a fivela, e apertei mais. Aquele ultimo "meu amor" me descontrolou. Com sua garganta apertada por aquela tira de couro, seus gritos eram silenciosos. Ela se debateu bastante, me arranhou os braços e tentou chutar meu saco. Foi em vão. Ouvi o estalo da traqueia, quando ela desfaleceu no chão, seu rosto antes alvo e imaculado, agora era roxo e com veias saltadas. Seus olhos estavam vidrados, meio abertos, e aparentemente ela houvera se urinado toda. Sua lingua estava saltada da boca. Aos poucos minha respiração foi ficando mais lenta e percebi o que fiz. Senti um misto de realização e raiva do que estava por vir. Sabia que iria me foder novamente.

Ao me vestir, tirei o cinto do seu pescoço e deixei-a sobre a cama, em posição digna, cobrindo-a com um cobertor. Paguei o motel, disse ao caixa que ela sairia depois e me mandei dali. Balela, olhei para o banco do passageiro e a vi, calada, pensativa e apontando para onde queria que a deixasse. Eu não a matei, minha timidez não deixou. A fantasia de te-la matado me fez sentir mais homem, mais seguro do que aquela brochada queria me fazer crer. Ao deixa-la no ponto de taxi, ela me disse que não faria aquilo pra sempre, que era estudante de artes cênicas e que sonhava em atuar. Por um momento eu a perdoei por ser tão estúpida e percebi que aquele belo rosto era só um semblante repleto de sonhos, que procurou o mais fácil para buscar o mais difícil. Por um momento, somente por um momento, eu admirei-a, e fui empático à sua luta.

"Tchau, meu amor. A gente se vê", ela disse.

Será que o Geneci vai estar ocupado amanhã?




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